Lier Pires Ferreira, PhD em Direito. Professor do Ibmec e do CP2. Pesquisador do LEPDESP
Marcelino Fonteles, Sociólogo. Mestrado em Educação e Professor do IFPI
Qual a ideologia predominante na sociedade? De acordo com a tradição marxista, é a ideologia das classes dominantes. Observem: quem controla os meios de produção e as relações de produção? Quem detém os meios de comunicação de massa? Quem produz os discursos religiosos? Qual a socialização reproduzida na grande maioria das famílias brasileiras? No geral, a ideologia predominante em qualquer sociedade é a ideologia das elites: a ideologia das classes dominantes.
Diferentes estudos corroboram a perspectiva de que a sociedade brasileira é predominantemente autoritária, racista, machista, individualista e preconceituosa com os grupos LGBTIs, praticantes das religiões afro-brasileiras etc. Esse perfil, que não foge aos riscos inerentes a qualquer generalização, também se faz presente no Congresso Nacional, onde o “Centrão”, aliança de partidos fisiológicos existente desde 1987, é o retrato mais nítido do tradicionalismo tupiniquim e do conservadorismo das elites nacionais. Agora, esse Frankenstein político - em grande parte composto por parlamentares do “baixo-clero” dispersos por diferentes legendas de centro e de direita -, retoma sua "histórica" posição pivotal na sustentação ao Executivo Federal, papel que exerceu em diferentes governos, de José Sarney a Michel Temer, passando por FHC, Lula e Dilma.
Desde sua eleição, Bolsonaro vinha enfrentando resistências intrínsecas ao seu projeto político. Para além das “esquerdas”, seus antagonistas preferenciais, setores das próprias elites - em particular aquelas genuinamente liberais e mais vinculadas às redes internacionais de produção e comércio - lhe fizeram dura oposição, pressionando o governo sempre que suas pautas não eram contempladas.
Mas Bolsonaro aprendeu a liturgia do poder. Depois de livrar-se de auxiliares indigestos como Santos Cruz, Moro e Mandetta, o Palácio do Planalto foi decisivo para as eleições de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência da Câmara e do Senado. Ao abandonar o discurso anticorrupção, lavajatista, e aliar-se ao “Centrão”, do qual Lira e Pacheco, até aqui políticos notáveis por sua insignificância, são egressos, Bolsonaro fulminou as forças parlamentares reunidas em torno do deputado Rodrigo Maia, figura central dessa oposição “intraclasse”, de caráter Nutella ou caviar.
Agora novamente governista, o “Centrão”, regiamente nutrido a cargos e verbas, retoma a hegemonia do Congresso Nacional e, por hora, garante ao capitão-presidente a governabilidade necessária. A questão da governabilidade é tão ou mais importante quando se sabe que o Executivo está sendo bombardeado pela absurda gestão da pandemia, que, até aqui, contribuiu para a morte de mais de 250 mil brasileiros e vem sendo incapaz de garantir a vacinação dos cidadãos. Desta forma, no rastro do Coronavirus e da crise econômica e social que se aprofunda, o governo Bolsonaro tem mais de 60 pedidos de impeachment já protocolados, que dependem da autorização pessoal do novo presidente da Câmara, Arthur Lira, para que possam ou não serem apreciados pelo plenário.
Neste contexto de crise, no qual o Legislativo fisiológico está perfilado ao Executivo, qual o papel político das esquerdas? A resposta a essa questão parte do reconhecimento de que, diferente do que ocorre na literatura marxista, o proletariado não é revolucionário e nem tem identidade ideológica com as esquerdas. Na verdade, o fato do cidadão ser trabalhador garante apenas o seu pertencimento a uma dada classe, mas não lhe transmite consciência de classe. Por isso, a reação contra o atual domínio das elites moralmente conservadoras e politicamente retrógradas deve ser um trabalho cotidiano de organização e formação de base, muito bem planejado e articulado. Há que se ter uma perspectiva estratégica, pragmática e de longo prazo, que afaste as divergências em favor da preservação do Estado Democrático de Direito, da democracia real e possível.
A não ser que ocorra uma aceleração subjetiva nas consciências sociais, nos moldes propostos por Nassim Taleb, na Teoria do Cisne Negro, segundo a qual eventos imprevisíveis podem ter consequências catastróficas, hoje não se vislumbra outra possibilidade para as esquerdas que não uma “pedagogia política” realista, consequente e adequada para reconquistar a hegemonia do imaginário social brasileiro. Afinal, consoante lição de Luciano Gruppi, disputar a hegemonia política e ideológica no seio do povo é fundamental para a conquista da vitória na perspectiva popular. Sem uma união programática e pragmática, suprapartidária e não personalista das esquerdas, a “máquina de guerra” governista terá um horizonte político promissor, só contornável por suas múltiplas contradições, equívocos e ambiguidades internas. Para a esquerda democrática, o mote é “união ou morte!”.