Por anos, o debate sobre a renovação política no campo progressista brasileiro girou em torno de figuras tradicionais da esquerda nacional. Enquanto parte da opinião pública insiste na narrativa de que falta à esquerda nomes novos e viáveis, a realidade política do Nordeste aponta em outra direção. A renovação não só existe como já está em curso — e tem dois protagonistas centrais: João Campos (PSB), prefeito do Recife, e Rafael Fonteles (PT), governador do Piauí.
Ambos representam uma nova geração de gestores públicos nordestinos que unem juventude, inovação administrativa e compromisso com valores democráticos e inclusivos. Diferentemente do perfil carismático tradicionalmente associado aos líderes de esquerda, Campos e Fonteles investem em uma liderança baseada na eficiência de gestão, uso intensivo da tecnologia e construção de políticas públicas com base em evidências. Ao mesmo tempo, mantêm os compromissos históricos com a inclusão social e o combate às desigualdades.
João Campos, engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), assumiu a prefeitura do Recife em 2021, aos 27 anos. Sua vitória, além de simbólica por ser o mais jovem prefeito da capital pernambucana, também foi um marco de transição geracional. Desde então, Campos tem sido um dos principais laboratórios de inovação no serviço público municipal no Brasil. A transformação digital da prefeitura, com a ampliação de serviços online, a criação do “Conecta Recife” — um aplicativo que integrou serviços como vacinação, agendamentos e benefícios sociais — e a reorganização administrativa da cidade com foco em resultados, são exemplos de como a nova esquerda pode dialogar com a eficiência sem abdicar da inclusão.
No plano social, João Campos também tem dado passos importantes. O programa “Chegando Junto”, que unifica ações de proteção social em comunidades de alta vulnerabilidade, reforça a ideia de que inovação e justiça social não são conceitos excludentes. Ao contrário, caminham juntos sob sua gestão.
Já Rafael Fonteles, economista e ex-secretário da Fazenda do Piauí, representa um modelo de gestão orientado por tecnologia e racionalidade fiscal, sem abrir mão da expansão de direitos. Com 39 anos, assumiu o governo estadual em 2023 com a promessa de transformar o Piauí em uma referência de governo digital e políticas públicas baseadas em dados. Seu histórico na Fazenda foi marcado pelo desenvolvimento do Gov.Pi, uma plataforma digital que reorganizou o planejamento, a execução e a fiscalização do orçamento estadual. Essa infraestrutura tecnológica tem permitido ao estado melhorar a qualidade do gasto público, aumentar a transparência e ampliar o acesso da população aos serviços.
Fonteles também tem se destacado como uma das vozes mais propositivas no debate sobre a transição energética no Brasil. O Piauí, sob sua liderança, aposta fortemente na geração de energia limpa, com foco no desenvolvimento da cadeia do hidrogênio verde — combustível considerado estratégico para a descarbonização da economia mundial. O estado já possui uma das maiores capacidades instaladas de energia solar e eólica do país, e o governo tem atuado para atrair investimentos nacionais e internacionais voltados à produção de hidrogênio verde a partir dessas fontes renováveis.
Entre os projetos em andamento, está a criação de um polo de produção e exportação de hidrogênio verde no litoral do estado, em Parnaíba, com apoio de empresas estrangeiras e centros de pesquisa. Fonteles defende que o Piauí tem condições naturais ideais para liderar esse novo setor, combinando potencial energético e logística estratégica. Ao apostar nesse caminho, ele posiciona o estado como protagonista da nova economia verde, alinhado às metas globais de sustentabilidade — uma agenda que combina desenvolvimento econômico, inovação tecnológica e responsabilidade ambiental.
A presença desses dois líderes evidencia uma tendência: a nova esquerda não se resume ao discurso político tradicional. Ela se traduz em práticas administrativas modernas, abertas à inovação tecnológica, sustentadas por planejamento estratégico e compromisso social. O Nordeste, historicamente associado a uma posição de dependência no imaginário nacional, se converte agora em um polo de criatividade política e administrativa.
Além disso, tanto Campos quanto Fonteles têm capacidade de articulação nacional. João Campos tem sido presença frequente em discussões sobre desenvolvimento urbano, enquanto Fonteles tem atuado como voz ativa dentro do Consórcio Nordeste, defendendo uma agenda comum para os estados da região em áreas como energia renovável, infraestrutura e segurança alimentar.
Não se trata apenas de juventude ou de marketing político. A força desses novos líderes reside na sua capacidade de reinventar a forma de fazer gestão pública, sem abandonar os princípios que historicamente embasam a esquerda. Em tempos de crise de representatividade, esse novo perfil de gestor é uma resposta concreta às demandas por eficiência, transparência e proximidade com a população.
Portanto, diante do ceticismo que insiste em decretar o esgotamento da esquerda brasileira, a experiência de João Campos e Rafael Fonteles indica o contrário: há sim uma nova esquerda em construção — digital, pragmática e popular — e ela tem sotaque nordestino.