Por mais que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diga para “esquecer os mercados por um segundo”, os números mostram que o mercado não esquece. Ao anunciar tarifas unilaterais de 10% sobre uma ampla gama de importações — atingindo inclusive o Brasil — o republicano desencadeou uma nova fase da guerra comercial global, com impactos imediatos nas bolsas e no humor da economia mundial. Wall Street despencou, a Ásia sofreu turbulências, e a resposta da China veio com a contundência de quem não pretende recuar: "chantagem", disse o governo de Pequim, prometendo "lutar até o fim". A Europa também reagiu com retaliações. O mundo, mais uma vez, assiste ao retorno de um protecionismo brutal, com ares de revanche.
Neste cenário de instabilidade, o presidente Lula tenta projetar o Brasil como um ator relevante e pragmático. Em visita a Cajamar (SP), ele reforçou que o país está "seguro", amparado por um colchão de US$ 350 bilhões em reservas internacionais, o que, segundo ele, garante tranquilidade ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas segurança cambial é apenas parte da equação. O que está em jogo agora é o reposicionamento estratégico do Brasil em um mundo onde o multilateralismo está em xeque, e onde as grandes potências voltam a disputar mercados com armas tarifárias.
A guerra comercial entre EUA e China não é uma disputa meramente econômica — é um conflito geopolítico, tecnológico e de poder. Os EUA querem conter a expansão da China a qualquer custo, enquanto Pequim se organiza para diversificar mercados e consolidar parcerias estratégicas. É nesse vácuo que surge uma oportunidade histórica para o Brasil.
A próxima rodada da diplomacia de Lula, com viagens a Honduras para a cúpula da Celac e, em maio, para o encontro China-Celac em Pequim, não pode se limitar à troca de discursos cordiais e promessas genéricas. É o momento de elevar o relacionamento com a China a um novo patamar. Não basta ser o exportador de soja e minério de ferro — é hora de negociar reindustrialização, transferência de tecnologia, investimentos em infraestrutura e cadeias produtivas regionais. Como lembra o economista Paulo Nogueira Batista Jr., o risco é o Brasil virar “um simples receptor de quinquilharias made in China”, enquanto sua indústria segue à míngua.
A China, pressionada externamente e desafiada internamente, precisa de mercados estáveis e aliados confiáveis. E quem melhor do que Lula — com prestígio internacional e capital político junto ao Sul Global — para costurar essa nova etapa? Não se trata de romper com os EUA, mas de abandonar o ingênuo “livre-comércio” unilateral. O mundo está se protegendo. O Brasil precisa fazer o mesmo — com inteligência, com estratégia e com ambição.
É hora de pensar grande. Há espaço para atrair fábricas, criar empregos, desenvolver tecnologia. O projeto da Nova Indústria Brasil pode ser a base para esse salto. Mas ele exige contrapartidas concretas: linhas de financiamento, redes de pesquisa, parcerias produtivas. A China pode — e deve — ser parceira nesse processo. Desde que o Brasil saiba o que quer.
A cúpula China-Celac pode ser o marco zero dessa virada. Um momento para sonhar com ferrovias de integração, corredores logísticos e inovação compartilhada. Lula chega com legitimidade e com a responsabilidade de liderar esse debate em nome de toda a América Latina. O Brasil pode ser muito mais do que um exportador de commodities. Pode ser um protagonista do século XXI — se tiver coragem de abandonar o papel subalterno que por tanto tempo lhe foi imposto.
O novo protecionismo global exige respostas à altura. E o futuro não pertence aos que se escondem atrás de tarifas, mas aos que sabem negociar com firmeza. Lula tem a chance — talvez única — de iniciar um novo capítulo na história econômica do país. A hora de escrever esse capítulo é agora.