Nos últimos anos, falar sobre saúde mental deixou de ser tabu — e ainda bem. Mas quando o assunto são crianças e adolescentes, a conversa precisa ser ainda mais séria. A escola, onde eles passam grande parte do dia, se torna uma espécie de “termômetro emocional”: é ali que muitos dos primeiros sinais de ansiedade, depressão ou TDAH aparecem. E é também ali que começa a possibilidade de fazer a diferença.
A psicóloga Ana Beatriz Barbosa Silva alerta que “os jovens estão cada vez mais adoecidos emocionalmente, e as redes sociais funcionam como gatilhos para essas crises” (2021). Mas não é só o mundo digital que exige atenção — é também o que acontece dentro da escola: o rendimento que cai, o aluno que se isola, aquele que vira “problema” sem que ninguém pergunte o porquê.
A escola, nesse cenário, não precisa (nem deve) diagnosticar nada — mas precisa aprender a olhar com sensibilidade, escutar com atenção e saber quando é hora de acionar outras redes de cuidado. Como defende a psiquiatra infantil Daniela Bordini, “professores não precisam dar diagnósticos, mas são muitas vezes os primeiros a perceber que uma criança não está bem. Isso, por si só, já é valioso.”
Mais do que formar alunos, a escola precisa também proteger infâncias. E isso começa com presença, escuta e atitude.
Transtornos mais comuns e como aparecem na rotina escolar
A escola é, muitas vezes, o primeiro lugar onde o sofrimento emocional da criança ou do adolescente se torna visível. Professores e colegas percebem o que talvez passe despercebido em casa: o comportamento muda, o rendimento cai, o brilho no olhar desaparece.
Entre os transtornos mentais mais comuns nessa fase, destacam-se:
•Ansiedade: Não é só “nervosismo”. Pode se manifestar como medo constante de errar, de ser avaliado, de se separar dos pais. Às vezes, vem mascarada por sintomas físicos, como dores de cabeça, enjoos ou falta de ar antes das aulas. Como alerta o psiquiatra infantil Gustavo Teixeira, “a ansiedade em crianças e adolescentes pode ser silenciosa, mas profundamente incapacitante, quando não identificada e tratada”.
•Depressão: Vai muito além da tristeza. O aluno perde o interesse por atividades que antes o animavam, se irrita com frequência, isola-se no recreio, e o rendimento escolar despenca. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), “a depressão é uma das principais causas de doença e incapacidade entre adolescentes” (2023).
•TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade): Não se resume a “ser agitado”. O aluno pode parecer distraído, esquecer materiais, interromper os colegas o tempo todo ou ter dificuldade em terminar tarefas simples. Como explica o neurocientista Leonardo Posternak, “o TDAH não é uma escolha comportamental, mas uma condição neurológica que afeta diretamente a aprendizagem e a convivência”.
Esses comportamentos, quando persistentes e intensos, não devem ser ignorados ou tratados como “manha”. São pedidos de ajuda que precisam ser ouvidos com responsabilidade.
O que observar? Sinais que não devem passar despercebidos
Educadores não precisam dar diagnósticos — mas são, muitas vezes, os primeiros adultos fora do núcleo familiar a perceber que algo não vai bem. Como diz o psicólogo e professor Lucas Veloso, “o olhar sensível do professor pode salvar uma infância inteira”.
Atenção especial a sinais como:
•Mudanças repentinas de comportamento ou humor;
•Agressividade ou isolamento sem motivo aparente;
•Queda brusca nas notas ou desinteresse pelas aulas;
•Queixas frequentes de dor, sem causa médica identificável;
•Irritabilidade constante ou choro fácil;
•Falta de motivação ou dificuldade de concentração por longos períodos.
Nenhum desses sinais, isoladamente, confirma um transtorno mental. Mas sua repetição e intensidade pedem um olhar atento e cuidadoso. Não é birra. Não é fase. É sofrimento — e precisa ser levado a sério.
O que a escola pode (e deve) fazer
A escola não precisa dar conta de tudo — mas tem um papel essencial na construção de um ambiente que acolhe e que encaminha com respeito e responsabilidade.
1. Acolher e escutar com empatia
Criar um espaço seguro, onde o aluno possa se expressar sem medo de julgamento, é o primeiro passo. Como destaca o educador Celso Antunes, “ouvir com atenção é um gesto pedagógico tão poderoso quanto ensinar um conteúdo”. Às vezes, o que o estudante mais precisa é de alguém que o enxergue de verdade.
2. Seguir protocolos com cuidado e diálogo
Diante de sinais persistentes, a escola deve:
•Conversar com a família de forma acolhedora e não acusatória;
•Registrar as observações pedagógicas com seriedade e confidencialidade;
•Encaminhar o estudante para avaliação com profissionais especializados (psicólogos, psiquiatras, neuropediatras);
•Acionar o Conselho Tutelar ou a rede pública de saúde, quando necessário.
3. Formar e cuidar da equipe que cuida
É essencial oferecer formação continuada sobre saúde mental aos educadores. Mais que isso, é preciso montar uma rede de apoio dentro da própria escola — com psicólogos escolares, orientadores educacionais, assistentes sociais — para que os profissionais da educação não carreguem essa missão sozinhos. Como reforça o relatório da Unesco (2021), “o bem-estar emocional dos educadores é um fator-chave para o sucesso das intervenções em saúde mental na escola.”
Saúde mental não é (e não pode ser) responsabilidade só da escola
O cuidado integral só acontece quando há diálogo real entre educação, saúde e assistência social. Quando essas áreas trabalham juntas — e não cada uma no seu “quadrado” —, o atendimento flui, o tempo de espera diminui e o aluno recebe o suporte que precisa antes que o sofrimento se agrave.
Conclusão
A escola não pode ser um espaço que silencia o sofrimento — e nem que o normaliza. Crianças e adolescentes não estão apenas aprendendo matemática, ciências ou gramática: estão tentando compreender o mundo, os outros e, sobretudo, a si mesmos. E, nesse processo, muitas vezes doloroso, é na escola que os primeiros sinais de sofrimento surgem. Fingir que não vemos é contribuir para que se agravem.
Como afirmou a pesquisadora e educadora Silvia Helena Koller, “cuidar da saúde mental é uma responsabilidade coletiva, e a escola é um dos principais ambientes promotores de desenvolvimento e proteção na infância e adolescência.”
Mais do que ensinar conteúdos, precisamos ensinar — e praticar — o cuidado. Isso passa por escutar sem pressa, observar com empatia e agir com responsabilidade. Significa reconhecer que um estudante não é apenas um boletim, mas uma vida em formação, cheia de complexidades, dores e potências.
Em tempos em que tantos adolescentes estão adoecendo em silêncio, a presença sensível de um professor, de uma coordenação atenta, de uma escuta verdadeira, pode ser o ponto de virada. Pode ser o que impede uma evasão escolar. Pode ser o que salva uma vida.
Como escreveu Paulo Freire, “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante.” Cuidar da saúde mental na escola não é um “extra”. É parte essencial dessa missão de formar sujeitos inteiros, com dignidade, voz e esperança.