A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados enviou um ofício, na última quinta-feira (21), ao Ministério Público Federal para apurar pelo menos 42 fazendas situadas em terras indígenas da Amazônia, onde vivem povos isolados, que receberam certificação irregular durante este período de pandemia por coronavírus, contrariando as regras constitucionais e leis de proteção. A denúncia foi encaminhada ao subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão / Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.
O levantamento realizado pela Agência Pública mostra que no atual governo já são 114 fazendas com certificação aprovada através do sistema de gestão de terras (Sigef) e que passam em trechos de áreas indígenas não homologadas. Juntas, essas fazendas ocupam mais de 250 mil hectares de áreas indígenas. O levantamento traz ainda que existem mais de duas mil propriedades privadas autodeclaradas no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR/Sicar) que incidem em áreas indígenas em sete estados da Amazônia — 500 delas sob territórios onde vivem indígenas isolados.
O documento solicita ações urgentes, já que as denúncias se dão em plena crise pandêmica, Sem políticas públicas para os povos indígenas diante do rápido avanço da contaminação.
Como se sabe, terras indígenas não homologadas são áreas que aguardam o decreto presidencial, última fase do processo de demarcação antes do registro definitivo. Até hoje, o governo Bolsonaro não homologou nenhuma terra indígena e descumprindo sistematicamenteo que determina a Constituição.
Esse quadro será ainda mais agravado diante da iminência da aprovação do Projeto de Lei 2633/2020, antiga “MP da Grilagem”, em tramitação na Câmara dos Deputados e que, se aprovado, permitirá regularizações pela via da autodeclaração.
Antes mesmo do surto pandêmico, já era grave o cenário de aumento nos dados sobre violência no campo, além do completo aparelhamento e enfraquecimento das estruturas do Estado responsáveis pela política indígena e mediação de conflitos, a exemplo da própria Fundação Nacional do Índio (Funai).
No ofício, a bancada do PSOL na Câmara denuncia que o próprio Presidente da República, Jair Bolsonaro, tem incentivado o avanço de práticas ilegais sobre terras indígenas, tais como garimpo, desmatamento, exploração madeireira, pecuária e monocultivos, além de grandes atividades de mineração e diversos empreendimentos de infraestrutura como hidrelétricas, linhas de transmissão e estradas.
A publicação da instrução normativa nº 09, que tem por objetivo transformar a FUNAI em mera instância de certificação de imóveis para posseiros, grileiros e loteadores de Terras Indígenas (TIs), contribui para o agravamento dos dados. Tem crescido em larga escala a certificação de terras privadas em áreas indígenas não homologadas: foram 72 novas certificações em menos de um mês — uma média de mais de duas por dia.
“Se as providências cabíveis não forem tomadas para impedir que a política indigenista siga por esse rumo, o cenário que se avizinha é de acirramento dos conflitos fundiários entre indígenas e não indígenas, com previsível aumento de episódios que cheguem à concreta manifestação de violência física e aumento das mortes”, afirmam os parlamentares do PSOL.