Por Marcelo Hailer, jornalista, na Fórum
Particularmente, acho tudo muito divertido e confesso que dou boas gargalhadas com os milhares de vídeos que circulam pelas redes.
Também achei divertidíssimo tomar conhecimento de que foi realizado um encontro de mães e pais de bebês reborn.
Mas eis que uma reação violenta contra as mães e pais de bebês reborn começou a se formar, e o lema geral era: "internem essa gente".
O mais engraçado é que nunca vi tal reação com marmanjos que se vestem de otaku ou de personagens medievais e se encontram em parques públicos. Também nunca vi tal reação contra pessoas adultas que se vestem de Harry Potter ou de qualquer outro personagem fantástico.
Qual é a diferença entre aqueles que se consideram mães ou pais de bebês reborn e aqueles que se fantasiam de Homem-Aranha e ocupam o espaço público? Ao meu ver, nenhuma. Eu quero mais é que as pessoas se divirtam, a vida já é dura demais.
Mais: qual é a diferença entre as pessoas que organizam festas de aniversário para seus pets e aquelas que cultuam um boneco realista? Mais uma vez: nenhuma. Deixem as pessoas.
Reação obscurantista
Mas, na última semana, a reação contra as mães de bebê reborn escalou para um lugar muito perigoso, e o meu alerta acendeu com um Projeto de Lei apresentado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O meu alerta já começa pelo autor do projeto: o deputado Rodrigo Amorim (União), aquele que quebrou a placa de Marielle Franco juntamente com Daniel Silveira.
Se um bolsonarista está de um lado, eu estou no outro totalmente oposto.
No PL protocolado na Alerj, Amorim propõe a criação de um programa de saúde mental para pessoas que se consideram mães e pais de bebês reborn.
Durante sessão plenária realizada na Alerj na última quarta-feira (14), o deputado bolsonarista deixou claro o que pretende: "a moléstia mental tem feito pessoas se debruçarem para o tal do bebê reborn, que é, sem dúvida nenhuma, um transtorno mental e que deve ser tratado e encarado pelo poder público."
Após o projeto de Amorim, surgiram vários outros... todos oriundos de parlamentares da direita e da extrema direita. E todos tratam as "mães reborn" como "transtornadas mentais".
A estratégia do “transtorno mental”
Essa reação é extremamente perigosa e esconde uma armadilha: o resgate do transtorno mental para enquadrar todo e qualquer comportamento que possa ser considerado como "anormal". Nós já conhecemos essa história, principalmente mulheres, LGBT, pessoas negras e usuários de substâncias ilícitas.
Não podemos ser ingênuos e embarcar nessa toada de que mães de bebês reborn são "transtornadas mentais".
É necessária apenas uma vírgula a mais para que algum desses projetos inclua outros comportamentos e resgate antigas políticas de controle em torno do "transtorno mental".
Deixem as pessoas serem mães de bebês reborn, de pet, se vestirem de otaku ou de Harry Potter e, principalmente, deixem a clínica e o controle longe disso.
Faz muito pouco tempo que mulheres, LGBT e pessoas negras se livraram dos “transtornos mentais” como forma de controle da vida para embarcarmos em tal discurso. E, principalmente: deixem a clínica fora disso.
Precisamos de liberdade para praticarmos qualquer modo de vida e não de cárcere, seja ele qual for.
E reforço: não é à toa que um deputado bolsonarista protocola um PL e resgata o “transtorno mental”. Isso é estratégia e apito para que outros façam o mesmo. E o objetivo é um só: defender o “normal” e o modo heteronormativo de vida.