Pré-programa do PT arquiva luta anti-imperialista e privilegia democracia e inclusão

Campanha de Lula e Alckmin tem como eixo o combate às políticas pós-golpe de Temer e Bolsonaro e não a luta contra os EUA

Foto: Divulgação
Lula e Alckmin

 

Por Mauro Lopes, jornalista, na Forum

O pré-programa da chapa Lula-Alckmin com as diretrizes para o que será o “Programa de Reconstrução do Brasil” vazou à imprensa no último dia 6. É uma versão de lavra petista que foi submetida e ajustada com os demais integrantes da frente ampla que está se constituindo ao redor da chapa. 

Na terça (14), os sete partidos da aliança PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, REDE e SOLIDARIEDADE chegaram a um acordo sobre as diretrizes, depois de analisar 124 emendas apresentadas por todos os partidos ao texto-base original. A programação é que ele seja lançado publicamente na próxima semana em um evento com a presença de Lula, Alckmin, presidentes de partidos, intelectuais, representantes da sociedade civil, movimentos sociais, centrais sindicais e ambientalistas.

O texto elaborado originalmente pela Fundação Perseu Abramo, do PT, dá indicações claras do ponto de partida. E chega a surpreender.

Apesar de segmentos da mídia conservadora terem falado em “mesmice”, o programa tem formulações originais em relação ao passado e abre-se aos temas cruciais do tempo presente-futuro.

Para desgosto de segmentos conservadores-tradicionalistas da esquerda, o eixo do texto é o combate às políticas pós-golpe de Temer e Bolsonaro e não a luta contra os EUA. A bandeira da luta anti-imperialista está arquivada. A prioridade é a democracia e a inclusão e a transição econômico-ecológica. Na arena internacional, o tema é a soberania de todos os povos e a reconstrução das relações internacionais.

É um manifesto de corte claramente social-democrata: “O Brasil da esperança exige compromisso com o povo brasileiro, que é nossa maior riqueza, em torno da superação do Estado neoliberal e da consolidação de um Estado de bem estar social”.

As causas das maiorias são o centro do projeto: pobres, pessoas negras, mulheres, jovens, indígenas (uma maioria histórica), gentes LGBTQI+ (pensando o rompimento da heteronormatividade como jornada das maiorias, ainda que submetida a intensa repressão). As florestas compõem também estas maiorias que são foco do programa.

A ideia de desenvolvimento econômico tal como elaborada no século 20 e mantida mais ou menos incólume nos dois primeiros governos Lula está igualmente arquivada. ”O Brasil precisa construir sua trajetória de transição ecológica”. A defesa da Petrobrás não orienta o documento para pensar o país tendo como fonte exclusiva ou primordial os combustíveis fósseis.  O texto fala em “ampliação da oferta de energia, aprofundando a diversificação da matriz, com expansão de fontes renováveis a preços compatíveis com a realidade brasileira. Além disso, é necessário expandir a capacidade de produção de derivados no Brasil, aproveitando-se da grande riqueza do pré-sal com preços que levem em conta os custos de produção no Brasil”. 

O texto afirma taxativamente uma visão inovadora sobre a política industrial: “A principal missão da política industrial será promover o engajamento da indústria na transição tecnológica, ambiental e social. Para isso, a política industrial deve manter o foco nas prioridades do país e se voltará para o fomento à inovação. Será também estimulada pelo poder de compra governamental em complexos industriais estratégicos como saúde, energia, alimentos e defesa”. A rigor, trata-se de uma política praticamente pós-industrial.

O discurso bolsonarista sobre a Amazônia, que encontra eco em segmentos da esquerda, sobre uma oposição entre o “interesse nacional” e o interesse do “globalismo” ou “imperialismo” também não tem abrigo no texto: “É imperativo defender a Amazônia da política de devastação posta em prática pelo atual governo. Nos nossos governos, reduzimos em quase 80% o desmatamento da Amazônia, a maior contribuição já realizada por um país para a mitigação das mudanças climáticas entre 2004 e 2012. Já nos comprometemos com o futuro do planeta, sem qualquer obrigação legal, e faremos novamente. Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que aja ao arrepio da lei. Nosso compromisso é com a reconstrução e preservação dos biomas e áreas degradadas do país”.

Da mesma maneira, o olhar do texto para a política e para as relações internacionais do Brasil supera as dicotomias do passado e reafirma o desejo de Lula de protagonismo, altivez e diálogo, com ênfase na formação de um bloco regional: “Defender a nossa soberania é defender a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, com vistas a manter a segurança regional. É fortalecer novamente o Mercosul, a UNASUL, a CELAC e os BRICS. É estabelecer livremente as parcerias que forem melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja. É trabalhar pela construção de uma nova governança global comprometida com o multilateralismo, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental que contemple as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e as parcerias internacionais”.

É sob a ótica da democracia que se orienta o pré-programa do PT ofertado aos demais partidos: “Temos inarredável compromisso com defesa da democracia, da soberania e da paz, com o respeito ao resultado das urnas, com a qualificação da representação política, a humanização do governo, a ampliação da representatividade, da participação popular e a reinserção do Brasil como protagonista global pela democracia, paz e desenvolvimento dos povos”.

Mais ainda, é um manifesto em defesa da institucionalidade: “É preciso superar o autoritarismo e as ameaças antidemocráticas. Para sair da crise e voltar a crescer e a se desenvolver, o Brasil precisa de normalidade e respeito institucional, com observância integral à Constituição Federal, que estabelece os direitos e obrigações de cada poder, de cada instituição, de cada um de nós”.

Um programa inovador, amplo e, ao mesmo tempo, radical. 

Leia aqui o esboço elaborado pelo PT.