Por que Gilmar escreveu "Ditadura nunca mais" e o recado de Bolsonaro ao generais

A prisão de Daniel Silveira dominou as discussões políticas. O que ela significa?

Foto: Fórum

Desde a hora da prisão do bolsonarista Daniel Silveira que o mundo político não fala de outra coisa. Nas redes sociais é o assunto mais badalado. O pensarpiauí reuniu dois textos publicados pelo Brasil 247 para melhor entendermos o que está acontecendo no país. São dois jornalistas a analisar a situação. O primeiro Renato Rovai e logo a seguir Rodrigo Vianna. Acompanhe:   

Moraes, Gilmar, ditadura nunca mais e o que pode estar por trás da prisão de Daniel Silveira

Por Renato Rovai, jornalista, no Brasil 247 

O Brasil foi dormir ontem com uma bomba. O deputado federal do PSL, Daniel Silveira, foi preso por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.

Não é a primeira vez que um ministro do Supremo ordena a prisão de um deputado. O que de alguma forma pode ser entendido como uma sobreposição de um poder ao outro.

Mas, é a primeira vez que isso acontece por conta de ataques de um parlamentar à instituição e aos seus ministros.

Silveira incitou a violência contra ministros do Supremo e, ao mesmo tempo, os desafiou a prendê-lo. Mas não só a ele. Também disse o mesmo em relação ao general Villas Bôas, que fez chacota com a indignação do ministro Edson Facchin pelo tuite que postou há 3 anos, pouco antes de a corte julgar um habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para quem não se lembra das mensagens de Villas Boas, seguem. Elas são importantes para entender o que pode estar acontecendo hoje.

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, dizia a primeira postagem, feita no dia 3 de abril de 2018.

“Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, completava.

No voto que concedeu a favor do habeas corpus de Lula o ministro Celso de Mello deixou claro que havia entendido o recado e foi duro com Villas Boas.

Outros ministros fizeram-se de desentendidos, entre eles Facchin.

Mas isso de alguma maneira são águas passadas. O que é um dado do presente é que Villas Boas fez piada com a indignação de Facchin na tarde de ontem.

O ministro do Supremo disse que era “intolerável” a tentativa por parte dos militares de tentar pressionar a Corte em 2018. Ao comentar uma publicação no Twitter sobre o comentário de Fachin, Villas Bôas escreveu: “Três anos depois.”

Na esteira deste comentário de Villas Boas, Gilmar Mendes foi às redes e tuitou:

“A harmonia institucional e o respeito à separação dos Poderes são valores fundamentais da nossa república. Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico. Ditadura nunca mais!”

Por que Gilmar Mendes teria falado de ditadura neste contexto? Por que um ministro tão experiente teria ido tão longe no seu comentário? Por que jogar mais lenha na fogueira de um debate que teria relação com um acontecimento de 3 anos antes?

A decisão de Alexandre Moraes, de ordenar a prisão de Daniel Silveira, se deu neste contexto. Entre outras coisas, no vídeo em que ataca o Supremo, ele pergunta porquê os ministros não prendem o general Villas Bôas, porquê não prender o general Heleno. Este foi o principal desafio de Silveira no vídeo.

Quem assistiu aos vídeos do momento de sua prisão deve ter percebido que ele parecia estar cumprindo um roteiro pré-estabelecido. Com alguém pra lhe filmar, enfrentou a policial federal que lhe ordenava colocar máscara e ameaçou lhe agredir.

O deputado parecia não falar apenas por si. E não fazer um jogo de um homem só. Os próximos capítulos deixarão as coisas mais claras. Mas é preciso ficar atento. Por que Gilmar escreveu no twitter “Ditadura nunca mais?”

Toque de reunir extremista: Bolsonaro usa Daniel Silveira 

Rodrigo Vianna, jornalista, no Brasil 247 

O bolsonarismo, movimento de inspiração e traços fascistas, segue um padrão: colocar-se sempre em movimento.

O presidente e seus asseclas avançam sobre as instituições: já controlam o poder Executivo, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e agora acabam de eleger aliados para presidir Câmara e Senado. Dos três poderes da República, só o Judiciário mantém-se ainda relativamente imune.

As alianças do bolsonarismo no Parlamento mostram a capacidade de Jair Bolsonaro de fazer um discurso (falso) anti institucional e, ao mesmo tempo, conquistar posições nas instituições - em parceria com setores da "velha política" que ele antes fingia combater.

A cada vez que ensaia esse tipo de aproximação, Bolsonaro colhe entre aliados "liberais" a avaliação benevolente de que "agora entendeu", e de que merece uma "segunda chance. A capa da revista Veja, os acenos do mercado financeiro para Artur Lira e a acomodação de setores da direita tradicional com o bolsonarismo indicam a incapacidade da elite "tradicional" de enxergar o óbvio: Bolsonaro tem um projeto autoritário e o fim último de seu projeto é a destruição do que resta de Democracia.

Reparemos também que há um outro padrão nas ações bolsonarescas. A cada vez que perde apoio na população, ele radicaliza o discurso e incentiva o ataque. Finge recuar, para logo em seguida atacar. Sem trégua nem limite.

Isso já ocorrera em maio/junho de 2020, no início da pandemia. Àquela altura, com a economia paralisada e com um discurso de "gripezinha" e "e daí?" diante das mortes, Bolsonaro viu sua popularidade despencar. O auxílio emergencial ainda não havia chegado para socorrê-lo...

Foi naquele momento, temendo a derrocada, que o presidente incentivou manifestações em defesa do Golpe. Sobrevoou de helicóptero a praça dos Três Poderes, andou a cavalo pela Esplanada, foi a um ato em defesa do AI-5 em frente ao Comando do Exército. Fez isso tudo para garantir que não perderia a fatia mais radical de seus apoiadores: aqueles 20% do país que parecem apoiar um projeto autoritário, aconteça o que acontecer.

Agora, a estratégia se repete. Bolsonaro cai nas pesquisas, porque o auxílio emergencial acabou e Guedes (com os bancos) chantageia milhões de brasileiros às portas da fome: quer trocar a renovação da "ajuda" por mais cortes e "sacrifícios".

O novo auxílio deve ser implantado só em março, ou abril, mas só surtirá algum efeito dois ou três meses depois. O primeiro semestre de 2021 será de uma árida travessia para os brasileiros, e para o governo que se esfarela enquanto faltam empregos, vacinas e até oxigênio.

O que faz o bolsonarismo? Apela de novo para o toque de reunir extremista!

A ação de Daniel Silveira, ao atacar e ameaçar o STF, não foi um gesto tresloucado e desmedido, individual. Há método nisso. O mais perigoso: Silveira (um bolsonarista extremado) ataca o STF no momento em que ministros da Corte Suprema enfrentam (tardiamente) o golpismo dos generais.

É evidente que Bolsonaro usa Daniel Silveira para dizer ao generalato: contem conosco para enfrentar o STF.

Bolsonaro usa também esses personagens (frágeis, recalcados, em busca de atenção - como Sara Winter, ou o deputado quebrador de placa) para promover uma escalada verbal que o ajuda a agrupar suas tropas mais extremistas.

Assim como já fizera em 2020, o STF reagiu com a firmeza devida. Prendeu Silveira em flagrante. Fica claro que o deputado desejava a prisão e cumpria uma missão: gravou vídeo enquanto era preso, dobrando a aposta contra o STF, numa tática de instigar os mais radicais do bolsonarismo.

A tática é inteligente mas, a cada movimento desse tipo, o encanto se quebra na base social que elegeu o capitão. Partes dos (ainda) apoiadores de Bolsonaro se desprende. O presidente e seus asseclas têm uma margem limitada para acionar esse dispositivo de "radicalizar pra manter as tropas reunidas". A cada movimento, as tropas se tornam menores. E quanto menores, mais perigosas.

O covarde Daniel Silveira já quebrou a placa de Marielle em 2018; em 2021, achou que tinha forças para quebrar a ordem democrática. Mas sua ação pode ter ajudado a desenhar mais uma rachadura no muro bolsonarista, que precisa ser golpeado várias vezes para ser enfim derrubado em 2022 - ou, se possível, antes disso.

É fundamental resistir aos arroubos e ameaças, punir os extremistas e isolar o bolsonarismo. Mas é preciso entender que Jair não age sozinho. O troglodita Daniel Silveira é um sinal da aliança que o capitão busca reforçar com os generais. O governo é cada vez mais um governo militar.