Pasteleiro sabe mais que os comentaristas econômicos

Enquanto comentaristas não sabem como a economia cresceu, o pasteleiro responde: aumentou a circulação de dinheiro entre os mais pobres

No início de setembro, o jornalista Vinicius Torres Freire, mestre em administração pública pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, nos Estados Unidos, publicou uma análise na Folha de São Paulo em que diz mal saber o motivo da melhora da economia, que teve o melhor triênio desde 2013. 

Já nesta semana, a notícia de que o país apresentou deflação de 0,02% em agosto surpreendeu analistas, que já preveem piora da economia e do aumento de 0,25 ponto percentual pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) na próxima quarta-feira (18).

Valdo Cruz, comentarista de economia da Globonews, adiantou que apesar de positiva, a notícia não deve ser duradoura, tendo em vista os efeitos da seca e do provável aumento na tarifa de energia elétrica. 

Enquanto analistas não sabem por que o cenário econômico melhorou e não pessimistas em relação às perspectivas macroeconômicas, presos sempre aos indicadores, o pasteleiro Lindomar Gomes, de 49 anos, sabe. E a resposta é simples: o dinheiro está circulando mais entre os mais pobres na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Gomes garante que não tem partido político e, na última eleição, não votou em ninguém. Adianta também que é semianalfabeto, mas que consegue ler bastante e bem. 

Ele não sabe precisar a porcentagem de pastéis que está vendendo a mais na gestão do atual Executivo, mas que o volume de vendas é sim superior em comparação ao governo de Jair Bolsonaro (PL). 

Já entre pequenos comerciantes, de quem é fornecedor de batatinhas fritas para carrinhos de rua, estima que a circulação de dinheiro entre estes pequenos empresários da rua cresceu 30% nos últimos dois anos. 

Negócios locais

Uma das principais bandeiras do pasteleiro é a valorização do comércio local. Morador da zona sul de São Paulo, na divisa com Diadema, ele garante que todos os serviços e produtos que adquire são dos próprios vizinhos. 

“Eu até pago um pouco mais caro. Mas é o dinheiro circulando. Sei que hoje eu fortaleço aquelas pessoas e, quando eu precisar, elas vão me ajudar também”, explica.

Para o pasteleiro, trata-se de uma dinâmica simples. Ele nunca contou ou contaria com o apoio de uma grande empresa. Mas construiu uma rede de suporte de fornecedores se tiver de enfrentar algum contratempo. 

Mudança de posicionamento

Inicialmente, quando o programa Bolsa Família foi lançado em 2003, Gomes foi contra o assistencialismo concedido aos mais pobres. Mas sua avaliação mudou desde que passou a receber, indiretamente, o benefício. 

“Lá na Represa [no bairro Riacho Grande, bairro de São Bernardo do Campo, em São Paulo], começaram a me pagar só com nota de R$ 100. Eu perguntei: ‘o que vocês fizeram para ter tanta nota de R$ 100? Roubaram um banco?’. E os clientes responderam: ‘É que sacamos o Bolsa Família'”, lembra. 

O pasteleiro percebeu então que, quando pessoas que antes não tinham renda ou viviam em extrema vulnerabilidade passavam a ter um pouquinho mais de dinheiro, era com ele e com outros pequenos comerciantes que gastavam. 

Ele ressalta ainda que “quem teve cérebro” conseguiu transformar o benefício em um micro empreendimento de rua e que muitos, hoje, conseguiram construir pequenos patrimônios, como a compra da casa própria. 

Sobrevivente

Nordestino e com pouco estudo, Lindomar Gomes sempre tirou da rua sua fonte de renda. Ainda jovem, começou a trabalhar como vendedor de pipoca em estádios de futebol e shows. Era contratado na época, mas observou que o chefe tirava, na época, pelo menos R$ 10 mil a partir do seu trabalho. 

Logo aprendeu a trabalhar por conta própria. Chegou a ter uma revendedora de gás, mas lidar com os motoqueiros se mostrou um grande desafio. Prefere negócios mais simples. Atualmente trabalha de quarta a domingo, das 5h30 às 13h30 nas feiras no ABC e zona sul de São Paulo. 

Nos demais horários, dedica-se também à fabriqueta de batatas fritas. Descreve a própria jornada de trabalho como trabalho de “segunda a segunda”.

Além de aprender a sobreviver nas ruas, soube sobreviver também à violência. Há alguns anos, quando foi ao banco trocar notas por moedas para garantir o troco dos clientes da barraca do tio, foi alvejado por bandidos. 

Os tiros o acertaram na perna, barriga, ombro, mão e costela, este último de raspão. Começou a desfalecer. Foi então que se lembrou de uma palestra que assistiu, em que a recomendação para manter a calma era respirar de forma consciente e vagarosa. Assim o fez até que o socorro chegasse. “Acho que ainda tenho uma missão para cumprir aqui”, diverte-se. 

Conclusão

Lindomar Gomes não tem uma postura de sabichão ou dono da razão, como os comentaristas econômicos. Pelo contrário, reafirma diversas vezes sua ignorância e simplicidade, características de um homem que sobrevive há décadas de vendas nas ruas. 

Apesar de admitir que o cenário do país não está perfeito e ainda tem muito a melhorar, consegue constatar o óbvio: para as classes mais baixas, que antes chegaram a buscar comida no lixo, a economia teve uma pequena melhora.

Com informações do GGN