Por Rudá Ricci, sociólogo no twitter
A despeito do contorcionismo da bancada da Globonews, o fato concreto é que o bolsonarismo, neste momento, está acéfalo. E não é possível cravar chances daqueles que disputam o espólio de Jair (Tarcísio, Zema, Michelle etc). Nenhum empolga nem mesmo a base bolsonarista.
Há, ainda, uma certa dificuldade para definir o perfil: se alimenta o extremismo fanático (o que pode fechar o bolsonarismo numa bolha) ou se amplia para um discurso voltado para o conservadorismo (o que pode gerar desconforto à base fanática).
Se, do lado oposto, não há mobilização ou organização social que gere sujeitos coletivos potentes, o futuro político imediato está, agora, nas mãos do governo Lula. Se emplacar o crescimento econômico que proporcione consumo familiar, reinará plenamente. Caso contrário...
A economia passa a ser o principal motor político do país porque Lula não quer embates. Sua comunicação não será de massas e não parece sinalizar movimentos bruscos. Então, resta o movimento passivo e indireto de arrebatar pelo consumo (mais uma vez)
A avenida política aberta ao governo Lula não é assim tão fácil de transitar. Uma das questões a ser definida é: qual a imagem que o governo quer para si? Não para Lula, mas para o governo? Mais ao centro e comedida? Um pouco mais à esquerda e ousada? Qual o saldo, afinal?
O que embaralha uma análise mais precisa foram as falas de Lula nos últimos dias. Sugeriu o relativismo do conceito de democracia. O que parecia um escorregão ficou mais difícil de analisar quando afirmou, em seguida, que ser chamado de comunista é motivo de orgulho.
Lula não é ingênuo. Estaria fazendo uma leitura que reina sem oposição consistente e, portanto, pode forçar uma mudança na correlação de forças? Eu presenciei algo assim quando estava em Portugal e o PS decidiu se aliar com o Bloco de Esquerda.
O habilidoso António Costa, na época secretário-geral do PS, anunciou que seu partido se deslocaria para a esquerda. Lia diariamente editoriais dos jornalões portugueses ridicularizando esta escolha que, para eles, seria o fim do PS. E o que ocorreu? A geringonça
A geringonça, nome dado pela direita à aliança do PS com PCP e Bloco de Esquerda, não só gerou vitórias eleitorais como criou um programa de retomada do crescimento português. Empolgou jovens e estancou a migração para outros países da Europa.
A geringonça e a aliança não existe mais porque o PS deu seu "pulo do gato": nas últimas eleições, acenou com a ascensão da extrema-direita e capturou votos do eleitor de esquerda temeroso. Fez maioria no parlamento e não precisou mais da composição com PCP e BE.
O que passaria pela cabeça de Lula neste momento? Quem o conhece, sabe que ele testa cenários. Dificilmente crava um único caminho. Testa e vai ajustando. Até para compor seu ministério.
O fato é que o cenário é outro sem Jair atrapalhando o trânsito. A reação bolsonarista não tem como ser instantânea. Haverá disputa no interior do Exército de Brancaleone. Um tempo de folga que tem que ser ocupado porque uma hora eles reagirão.