A poucos dias do segundo turno das eleições municipais, André Fernandes, de apenas 26 anos, desponta como uma figura controversa na disputa pela prefeitura de Fortaleza. A mais recente pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta-feira (17), mostra Fernandes (PL) com 45% das intenções de voto, tecnicamente empatado com Evandro Leitão (PT), que aparece com 43%. O possível triunfo de Fernandes não seria apenas uma vitória pessoal, mas também um marco histórico: a quebra da hegemonia de centro-esquerda na capital cearense, que domina a política local há décadas.
Filho de um pastor evangélico e nascido em Iguatu, uma pequena cidade no interior do Ceará, Fernandes trilhou um caminho inusitado até o cenário político. Antes de ser conhecido como um dos parlamentares mais polêmicos do país, ele era uma subcelebridade nas redes sociais. Seu canal no YouTube, que acumula mais de 500 mil inscritos, trazia inicialmente conteúdos de humor e “zoeira”, como ele mesmo descrevia. Porém, foi com um vídeo de 2017 — no qual ele ensina como depilar o ânus — que Fernandes ganhou notoriedade nacional. Esse episódio, inclusive, foi alvo de ironia do presidente Lula durante um discurso recente no Ceará. "Essa cidade não pode ter um negacionista... cuja única virtude é colocar na internet as coisas que anda fazendo de depilação", disse Lula, arrancando risos e aplausos do público.
Após o episódio da depilação, Fernandes mudou o foco do seu canal, prometendo um conteúdo mais “sério”, com opiniões sobre atualidades e política. Essa transição aconteceu paralelamente ao seu ingresso na vida política formal. Em 2018, aos 22 anos, Fernandes se tornou o deputado estadual mais jovem do Brasil, eleito com uma votação expressiva no Ceará. Desde então, sua carreira foi marcada por uma postura agressiva e uma série de polêmicas, principalmente no campo da disseminação de fake news.
O Parlamentar Controverso e as Fake News
Ao longo de seu mandato como deputado estadual e, posteriormente, como deputado federal, André Fernandes ganhou fama como um ferrenho defensor do bolsonarismo e por suas acusações infundadas contra colegas e instituições. Em 2019, Fernandes foi condenado a indenizar o deputado Nezinho Farias (PDT) em R$ 8 mil após afirmar, sem provas, que o parlamentar estaria envolvido com facções criminosas no Ceará. Esse foi apenas o primeiro de uma série de episódios envolvendo declarações falsas que marcariam sua trajetória.
Fernandes também se envolveu em diversas polêmicas relacionadas à pandemia de Covid-19. Ele usou as redes sociais para levantar suspeitas sobre a veracidade dos dados de óbitos, acusando médicos e profissionais de saúde de inflarem os números de mortes pela doença. Em um de seus posts mais controversos, Fernandes afirmou que o secretário de Saúde do Ceará, Dr. Cabeto, estaria pressionando profissionais para inserirem a Covid-19 como causa de morte nos atestados de óbito. A acusação, claro, veio sem provas e gerou indignação entre os profissionais da saúde. Médicos do estado chegaram a organizar um abaixo-assinado pedindo a cassação de seu mandato.
Além disso, Fernandes foi condenado em 2021 a pagar uma indenização de R$ 50 mil à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, após ataques machistas que ele fez em suas redes sociais. Nesse mesmo ano, o Ministério Público do Ceará também o investigou por prática de nepotismo, após a nomeação de dois parentes para cargos em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Ceará.
Esses episódios de fake news e suas repetidas acusações infundadas levaram Fernandes a ser classificado como um dos maiores propagadores de desinformação no Ceará. Suas postagens frequentes e, muitas vezes, sem embasamento levaram plataformas como o Instagram a classificarem algumas de suas publicações como “informações falsas”, incluindo dados enganosos sobre a saúde pública do estado.
Acusações de Golpismo e Moderação no Discurso
André Fernandes também esteve sob investigação após os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores radicais de Jair Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, inconformados com o resultado das eleições presidenciais que levaram Lula de volta ao poder. Fernandes, por sua vez, foi acusado de incitar os atos, mas a Procuradoria-Geral da República acabou arquivando o caso por falta de provas.
Com todas essas controvérsias no currículo, Fernandes parece, em certos momentos, tentar distanciar-se da imagem mais radical que construiu ao longo dos últimos anos. Durante a campanha para a prefeitura de Fortaleza, por exemplo, ele tem moderado seu discurso e evitado menções explícitas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem é um fiel aliado durante todo o mandato. A estratégia parece ser uma tentativa de ampliar seu eleitorado, focando em pautas mais populares e menos polarizadas.
A Carreira Política e o Futuro de Fortaleza
Mesmo com o histórico conturbado, Fernandes pode estar prestes a conquistar o cargo de prefeito de uma das capitais mais importantes do Brasil. Caso vença, sua eleição será vista como uma vitória da direita bolsonarista em um estado tradicionalmente governado por forças progressistas. Fernandes, que já enfrentou dezenas de processos por calúnia, injúria e difamação, continua a atrair um público fiel, principalmente entre jovens eleitores conservadores que compartilham de seu estilo irreverente e agressivo de fazer política.
Mas a possível gestão de Fernandes também levanta questionamentos. Como um político tão jovem, com pouca experiência administrativa e um histórico de conflitos com instituições democráticas e propagação de desinformação, lidaria com os desafios de comandar uma cidade tão complexa quanto Fortaleza? Seus críticos apontam que seu estilo combativo pode criar mais instabilidade do que soluções, enquanto seus apoiadores acreditam que ele pode representar uma mudança radical e necessária para a cidade.
Com o segundo turno se aproximando, Fortaleza está prestes a tomar uma decisão que pode mudar o curso de sua história política.