"Na cela de Lula", Ramonet descreve o pequeno espaço em que Lula está preso

"Na cela de Lula", Ramonet descreve o pequeno espaço em que Lula está preso

Uma das visitas que o ex-presidente Lula recebeu agora em setembro, na prisão, em Curitiba, foi do jornalista Ignacio Ramonet, - um dos criadores do Le Monde Diplomatique e da primeira turma do Libération. Ao sair da prisão ele escreveu longa matéria sobre a visita publicada pelo site CartaMaior. Hoje, reproduziremos a parte onde ele descreve como é a cela em que Lula está detido.  

Foto: Carta Maior
O jornalista Ignacio Ramonet e Lula

O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, preso na cidade de Curitiba, no sul do país, só pode receber duas visitas por semana. Uma hora. Nas quintas pela tarde, entre quatro e cinco horas. Tenho que esperar minha vez. E a lista de quem pode vê-lo é longa… Mas hoje, dia 12 de setembro, estamos aqui eu e Adolfo Pérez Esquivel, um vencedor do Prêmio Nobel da Paz.

Entre amigos, caminhamos na direção do edifício, onde Lula está preso. A visita está marcada para as 16h. Mas antes passamos pela Vigília, para cumprimentar as pessoas ali acampadas, e depois nos preparamos para as formalidades de entrada ao edifício carcerário. Não é uma prisão qualquer, mas sim a sede administrativa da Polícia Federal, que improvisou um local que serve de cela.

Só quatro pessoas podem entrar para ver Lula: Adolfo Pérez Esquivel e eu, acompanhados pelo advogado Carlos Luiz Rocha e Mônica Valente. O recepcionista é cordial, mas sem deixar de ser muito rígido. Ele confisca temporariamente os nossos telefones e nos faz uma minuciosa vistoria eletrônica. Só é permitido levar até o réu livros e cartas, e por sorte, porque Adolfo trouxe a ele 15 mil cartas de admiradores em um pendrive, que foi confiscado para verificação, e logo devolvido.

Lula está no quarto andar do edifício. Não o veremos em uma sala especial para visitas, e sim na própria cela, onde está preso. Subimos por um elevador até o terceiro andar, e de lá seguimos pelas escadas. No final do corredor, à esquerda, está a porta. Um guarda armado está sentado ao lado, e é quem nos abre. Nada disso se assemelha a uma prisão, exceto os guardiães. Parece um local administrativo e anônimo, cheio de escritórios. O carcereiro-chefe Jorge Chastalo (está escrito em sua camiseta), um sujeito alto, forte, loiro e olhos verde-azuis, com os antebraços tatuados, foi quem nos acompanhou. Um homem amável e construtivo, que tem, suponho, relações cordiais com seu prisioneiro.

A habitação-cela é retangular. Entramos por um dos lados pequenos e a vemos em toda a sua profundidade. Como estamos sem os telefones, não posso tirar fotos, então tento fotografar mentalmente tudo o que observo. Tem uns seis ou sete metros de comprimento e uns três e meio de largura, o que seria um total de 22 metros quadrados de superfície. Ao lado direito, ao entrar, está o banheiro com chuveiro e privada, em um quarto específico. No fundo da cela há duas janelas quadradas com grades horizontais de metal pintadas de branco. Uns toldos de cor cinza prateado deixam entrar a luz natural do dia, mas impedem ver o exterior. No ângulo esquerdo do fundo da cela está a cama individual, coberta com um edredom negro e um tapetinho no chão. Sobre a cama, pregadas na parede, cinco grandes fotografias coloridas do pequeno Arthur, recém falecido, e dos outros netos de Lula com seus pais. Ao lado, à direita, debaixo de uma das janelas, há uma mesinha de madeira clara, de estilo dos anos 50, com duas gavetas vermelhas, sobrepostas. Aos pés da cama, um móvel também de madeira, que serve de suporte a um pequeno televisor negro de tela plana, com 32 polegadas. Ao lado dele, também contra a parede esquerda, há uma mesinha baixinha com uma cafeteira para fazer café. Ao lado desta, outro móvel quadrado e mais alto, que serve de suporte a uma jarra d´água e um galão de cor verde esmeralda, como as que se vê em alguns escritórios. A marca da água é Prata da Serra.

Em outro ângulo do fundo, à direita, há uma pequena academia de ginástica, com um banco coberto de falso couro negro, para exercícios, elásticos para musculação e uma grande caminhadora. Ao lado, entre a cama e a máquina de exercícios, um pequeno aquecedor elétrico sobre rodas. No alto da parede do fundo, sobre as janelas, há um ar condicionado branco.

No meio da habitação, uma mesa quadrada de 1,20 de lado, coberta com um pano de cores celeste e branco, e quatro cadeiras confortáveis, com descansos para os braços, de cor negra. Um quinto assento, uma poltrona, está disponível contra a parede direita. Finalmente, perto da parede que separa o quarto do banheiro, há um armário grande, de três colunas, mesclando cores branco e roble claro, e uma pequena estante ao lado direito, que serve de biblioteca.

Tudo era muito modesto e austero, até um pouco espartano para um homem que foi, durante oito anos, o presidente de uma das dez principais potências do mundo… mas tudo muito ordenado, bem limpo e organizado…

Com seu carinho de sempre, com um caloroso abraço e palavras genuínas de amizade e afeto, Lula nos acolhe com sua voz característica, rouca e potente. Veste uma camiseta do Corinthians, o time de futebol para o qual ele torce, uma calça cinza clarinha e uns chinelos tipo havaianas. Parece estar muito bem de saúde, robusto, forte: “caminho nove quilômetros diários”, diz ele. E em excelente estado psicológico: “estamos à espera de tempos melhores, por isso não estou pessimista, e nunca fui um depressivo, jamais, desde que nasci, e por isso não posso ser agora”, afirma.

Nos sentamos em torno da mesinha, ele diante da porta, de costas para a janela, Adolfo à sua direita, Mônica em frente, o advogado Rocha um pouco mais afastado, entre Adolfo e Mônica, e eu fico à sua esquerda. Sobre a mesa, há quatro estojos com de lápis de cores e canetas.

Entrego a ele os dois livros que trouxe, as edições brasileiras de “Cem horas com Fidel” e “Hugo Chávez, minha primeira vida”. Ele brinca sobre sua própria biografia....