Melar as eleições: objetivo de Bolsonaro e Forças Armadas

Deputados dos EUA querem investigação sobre ação dos militares contra o tribunal

Foto: Montagem pensarpiauí
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As 88 perguntas que as Forças Armadas endereçaram ao Tribunal Superior Eleitoral em cinco ofícios desde dezembro de 2022 desenham o roteiro do que pode ser a ação desestabilizadora do bolsonarismo no pleito de 2 de outubro. As evidências são tamanhas que um grupo de deputados democratas dos EUA solicitou nesta semana uma investigação sobre o assunto, segundo reportagem do jornalista Brian Mier no site Brazil Wire.

Há pelo menos três perguntas das Forças Armadas ao TSE que indicam claramente o ânimo militar contra as eleições e como eles sinalizam o percurso para a conturbação no dia 2 de outubro. Segundo a advogada Maíra Recchia, presidenta do Observatório Eleitoral da OAB-SP, “não há precedente para a atual ingerência das Forças Armadas no processo eleitoral”. Ela falou à Fórum na última sexta-feira (8) e afirmou taxativamente: “Há uma tempestade anunciada para as eleições” -veja a entrevista ao final.

Também nesta semana, na quinta-feira, o ex-deputado José Genoino, uma das mais expressivas lideranças do PT, havia advertido, em entrevista à Fórum: "Temos que acabar com a lógica de confiar nos militares” -veja igualmente a entrevista dele ao final..

O clima de tensão no TSE e no STF é evidente. A ponto de o atual presidente da Corte Eleitoral, Edson Fachin, ter afirmado na última quarta-feira nos EUA que “nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado do que 6 de janeiro daqui do Capitólio”, referindo-se à invasão do Congresso dos EUA pelos trumpistas. Fachin fez  afirmação grave numa palestra no Wilson Center em Washington, um importante centro de estudos e debates dos EUA, com uma seção dedicada ao diálogo com o Brasil, o Brazil Institute.  

Na noite de quinta-feira em sua live semanal, Bolsonaro soprou seu “apito de cachorro” (dog whistle) sinalizando para a malta bolsonarista a ofensiva em articulação contra as eleições: “não preciso dizer o que eu tô pensando e o que você está pensando, você sabe como você deve se preparar”. Pouco antes, na live, Bolsonaro afirmou que “se o comando de defesa cibernética do Exército detectar fraude esse trabalho não valerá nada porque o senhor Fachin disse que isso não muda o resultado eleitoral”. Ou seja: na narrativa bolsonarista, haverá fraude, a eleição será “roubada”, as Forças Armadas irão identificar a fraude e é preciso “agir”.

Agir como? O roteiro das perguntas dos militares ao TSE indica o cenário armado para 2 de outubro.

Em meio às 88 perguntas, três delas indicam o alvo: os ataques aos lacres das urnas eletrônicas como caminho para tumultuar e exigir a anulação das eleições. 

Pergunta 57: “Quando do recebimento de urna com lacre violado, quais são os procedimentos adotados no caso dela conter votos e no caso dela não conter?”

A resposta do TSE sobre a hipótese de violação de lacre de urna depois de realizada a votação indica o caminho da possível ação dos bolsonaristas em 2 de outubro e qual o seu resultado: “recomenda-se a abertura de uma investigação, cabendo ao juiz eleitoral decidir se os votos serão válidos ou não”. Ou seja: os votos da urna de lacre rompido poderão ser invalidados -na verdade, nessa hipótese, certamente o serão, segundo advogados especializados em Direito Eleitoral.

A pergunta 64 é chave, porque indica claramente o “caminho das pedras” e o objetivo comum dos militares e de Bolsonaro: a anulação das eleições.

Pergunta 64: “Caso uma eleição seja decidida por um número de votos menor do que o total que foi desconsiderado por falha na mídia eletrônica, como será resolvida uma possível incoerência que pode advir da desconsideração, total ou parcial, de votos?” 

A resposta do TSE indica que os ministros entenderam a armadilha contida na pergunta: “Na remota hipótese de impossibilidade de recuperação dos votos de uma urna eletrônica, cabe ao juiz eleitoral da respectiva zona eleitoral determinar a anulação integral da seção eleitoral. Num cenário em que os votos perdidos (anulados) façam diferença para a determinação do resultado serão realizados os procedimentos previstos nos artigos 147 e 201 do Código Eleitoral”.

A Corte Eleitoral sequer redigiu “in totum” a resposta ao questionamento militar, remetendo a dois artigos do Código Eleitoral, para, certamente, evitar enunciar a consequência da pergunta maliciosa. O artigo 147 é de menor relevância, mas o 201 põe a nu o objetivo militar.

Artigo 201 do Código Eleitoral: “De posse do relatório referido no artigo anterior, reunir-se-á o Tribunal, no dia seguinte, para o conhecimento do total dos votos apurados, e, em seguida, se verificar que os votos das seções anuladas e daquelas cujos eleitores foram impedidos de votar, poderão alterar a representação de candidato eleito pelo princípio majoritário, ordenará a realização de novas eleições”.

Ou seja: anulação das eleições. 

Uma advertência sobre o ataque às urnas com o objetivo de romper os lacres. As forças de segurança mobilizadas pela Justiça Eleitoral nas eleições são tradicionalmente as Forças Armadas e as Polícias Militares, que são, segundo a lei, uma força auxiliar e reserva do Exército. Tanto a cúpula das Forças Armadas como as das PMs e as tropas estão largamente contaminadas pelo bolsonarismo, em muitos casos em conexão com as milícias e grupos armados civis de extrema direita. Ou seja: todo o mapeamento e controle do trânsito das urnas estará ao alcance da mão do bolsonarismo. 

É patente, pelas pesquisas, que a provável diferença entre Lula e Bolsonaro será tamanha que uma ação em larga escala para romper os lacres das urnas eletrônicas a ponto de colocar em risco o resultado das eleições será praticamente impossível. Mas ações isoladas que sejam realizadas em diversos Estados serão imediatamente utilizadas como evidência de “fraude” e abrirão a campanha pela anulação do pleito.

A pergunta 81 das Forças Armadas em seu questionário é tão agressiva e patenteia que as eleições estão sob ameaça direta dos militares em consórcio com Bolsonaro que o TSE limitou-se a uma resposta genérica, agradecendo as “sugestões” e garantindo “a  integridade do processo eleitoral”.

Leia a seguir e veja o tamanho da ousadia militar com uma ameaça direta, explícita, contra as eleições. A pergunta 81 sequer é uma pergunta, retoma o tema do “voto impresso” e afirma ameaçadoramente que “não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições”.

Pergunta 81:  “Considerando o voto como um direito e um dever inarredáveis de cada cidadão, sugere-se a adoção de medidas que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado, mesmo que, por qualquer motivo, as respectivas mídias ou urnas eletrônicas sejam descartadas. Destaca-se que, a despeito do esforço em se prever ações em face da observância de falhas durante o pleito eleitoral, até o presente momento, salvo melhor juízo, não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições. Nesse diapasão, propõe-se a previsão e divulgação antecipada de consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade”.

O clima de tensão em relação a 2 de outubro não é exclusividade da Justiça Eleitoral e do STF. Há enorme preocupação nos partidos políticos. Mais que preocupação, há um grande medo sobre o que pode acontecer nos integrantes “chão da fábrica” do dia das eleições, compostos por mesárias e mesários e demais membros das seções eleitorais. Mesários e mesárias serão mais de um milhão em 2 de outubro, 400 mil apenas no Estado de São Paulo. Segundo a advogada Recchia, “os mesários das seções eleitorais estão com medo do que pode acontecer em 2 de outubro”.

O dia das eleições no Brasil já foi de festa. Em 2 de outubro de 2022, a julgar pelo movimento militar-bolsonarista, será um dia de guerra.

Elio Gaspari revela estratégias do bolsonarismo contra eleições

Em sua coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo, Elio Gaspari afirma que "está em circulação mais um expediente de magia para tumultuar a eleição". De acordo com o jornalista, uma estratégia a favor do bolsonarismo seria "provocar um apagão no fornecimento de energia por algumas horas em duas ou três grandes cidades, atingindo-se um significativo número de eleitores". "Melada a eleição, aparece a mesma turma pacificadora, marcando uma nova data".

Segundo o colunista, "milícias digitais e mobilizações" também "criariam um clima de instabilidade a partir da Semana da Pátria". "Armado o fuzuê, vozes pretensamente pacificadoras defenderiam o adiamento das eleições, com a votação de uma emenda constitucional. Junto com essa emenda seriam prorrogados todos os mandatos, de congressistas, governadores e, é claro, do presidente da República", complementa.

Assista abaixo às entrevistas com a advogada Maíra Recchia e com o ex-deputado José Genoino:

Com informações da Fórum e do 247