A recente declaração de Manuela D’Ávila, ex-deputada federal, afirmando que está “sem partido” provocou um verdadeiro abalo no PCdoB, legenda à qual ela foi filiada por mais de 25 anos. A fala ocorreu durante um debate sobre o futuro da esquerda, promovido pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL) na quarta-feira (16). Na ocasião, Manuela se encontrou ao lado de críticos ao establishment do PT e ao governo Lula 3, contrastando com o deputado federal Lindbergh Farias (PT), que defendeu a atual gestão.
Durante o debate, houve duras críticas à política econômica conduzida por Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e à aliança do governo com o centro político em nome da governabilidade. Manuela destacou o desconforto com as pressões dentro da esquerda para evitar discussões públicas sobre pautas identitárias, observando que o PT estaria tentando se aproximar de setores conservadores e religiosos. Para ela, questões raciais e de gênero não podem ser desvinculadas da luta de classes.
Por trás desse debate está a crise interna da esquerda, mesmo com o PT na Presidência. Enquanto a ala dominante do partido fez alianças com o Centrão e o empresariado, setores mais radicais da esquerda querem retomar um discurso antissistema, resgatando a retórica dos anos 1990, anterior à ascensão ao poder. Essas pautas, anteriormente de esquerda, têm sido mais recentemente apropriadas pela direita.
Nos bastidores, a percepção sobre Manuela, que fez constantes referências a lideranças jovens, é de que um novo campo político está surgindo, à esquerda do PT, com o objetivo de disputar espaço ideológico com a direita. Ela e seus aliados defendem a retomada de ideias revolucionárias e socialistas, porém sem um partido claro como referência, uma vez que nem o PT nem o PSOL, devido a divergências regionais e alianças com o lulismo, parecem ser opções viáveis.
Manuela, aos 43 anos, rejeitou a ideia de que a esquerda estaria desconectada das massas populares, mencionando as recentes vitórias expressivas de jovens deputados como Matheus Gomes (PSOL), Bruna Rodrigues (PCdoB-RS) e Renato Freitas (PT-PR), este último presente no debate. Ela destacou que essas lideranças, cujas campanhas conectaram pautas raciais e trabalhistas, são "sufocadas pelos partidos".
“Hoje sou uma mulher sem partido. Posso criticar todos eles”, declarou Manuela. Ela também enfatizou o poder de comunicação dos jovens parlamentares nas redes sociais, algo dominado pela direita nos últimos anos, mas que começa a ser usado com sucesso pela nova geração de esquerda. Durante o debate, Manuela se mostrou mais alinhada com o historiador Jones Manoel, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), e com Renato Freitas, ambos defensores de uma ação mais enérgica da esquerda. Apesar disso, Manuela afirmou não ser contra a ideia de uma frente ampla, que elegeu Lula em 2022, mas destacou que a esquerda precisa disputar o rumo deste governo.
Dentro do PCdoB, suas declarações geraram surpresa, embora já houvesse especulações sobre um afastamento. O partido é pequeno, e Manuela, mesmo sem cargo público desde 2019, continua sendo sua principal liderança. Atualmente, ela se dedica a sua carreira como jornalista, escritora e empresária de comunicação, além de atuar em campanhas eleitorais, como a de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo e Natália Bonavides (PT) em Natal.
O PCdoB afirmou que, até o momento, não há pedido formal de desfiliação e que está em contato com a ex-deputada.
Lindbergh Farias, que se viu pressionado durante o debate, defendeu a liderança de Lula, afirmando que “é um erro falar em superar Lula. Ele é nossa grande esperança para 2026.”