Mãe recupera guarda da filha após episódio de intolerância religiosa

Para o advogado da mãe, ficou claro que o processo foi movido por intolerância religiosa, porque a mãe é adepta do Candomblé

Foto: Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Adepta do Candomblé, Kate Belintani perdeu a guarda da filha após uma denúncia anônima sobre supostos abusos no terreiro

Fonte: Época 

O juiz Danilo Brait, da 2ª Vara Criminal de Araçatuba (SP), restituiu nesta sexta-feira (14) a guarda da adolescente Luana, de 12 anos, à mãe, a manicure Kate Ana Belintani, de 41 anos. A menina ficou sob a guarda provisória da avó materna durante 17 dias, depois de ela entrar na Justiça alegando que Luana sofria maus-tratos e suposto abuso num centro de Candomblé frequentado pela menina e seus pais. Kate foi notificada da decisão às 20h50.

A decisão do juiz levou em consideração o exame de corpo de delito feito na adolescente, apontando que a menina não tinha nenhuma lesão, hematoma e nenhum sinal de agressão ou abuso. Também contou como prova o depoimento de Luana confirmando que frequenta a religião com a mãe e estava ciente de todo o ritual a que seria submetida e a manifestação do Ministério Público a favor da revogação da decisão liminar.

O advogado Hedio Silva Júnior, dirigente do Idafro (Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras) e responsável pela defesa de Kate Belintani, comemorou a decisão. “Prevaleceu o direito, a Justiça, o princípio constitucional do Estado Democrático de Direito. Mas houve violações de direitos e os agentes serão responsabilizados nas esferas cível e criminal”, afirmou Silva.

Para ele, ficou claro que o processo foi movido por intolerância religiosa, já que tudo aconteceu porque Luana, que segue o Candomblé, estava reclusa no terreiro passando pelo ritual de iniciação na religião . “Foi uma vitória do povo de terreiro, uma vitória contra a intolerância religiosa e um sinal a mais de que juntos e conscientes o povo de axé é capaz de vencer a intolerância, a grandiosidade e a honra da nossa religião”, afirmou Silva.

Guarda retirada

Até ser retirada de sua mãe, em 28 de julho, Luana estava reclusa no terreiro Centro Cultural Ilê Axé Egbá Araketu Odê Igbô havia sete dias, com o aval de seus pais, passando pelo que seria uma espécie de “batismo” no Candomblé. O processo, que é chamado de renascimento, ou "fazer o santo", é complexo e costuma durar de dez a 21 dias, dependendo da tradição da casa. Nesse período, a pessoa fica em recolhimento absoluto, veste somente roupas brancas, senta-se apenas no chão ou num banquinho de madeira, come em recipientes de ágata branca, passa por rituais de limpeza espiritual, toma banhos de ervas para purificação, seu cabelo é raspado e ela recebe algumas marcas e desenhos no corpo feitos com produtos naturais. Depois desse processo, o novo membro é apresentado à comunidade como integrante do Candomblé.

Luana estava deitada quando foi surpreendida por policiais armados que invadiram o centro religioso. Eles chegaram ao local depois de receberem uma denúncia anônima de que a menina estava sendo mantida em confinamento, era alvo de maus-tratos e suposto abuso sexual. No momento da invasão, Luana estava acompanhada da iabassê (uma serviçal de orixá) Maria José de Souza, de 58 anos. “Bateram no portão, e eu fui abrir. De repente, vários policiais entraram no terreiro procurando a Luana. Só estávamos nós duas ali. Fiquei em choque, comecei a tremer. Ela ficou muito assustada, sem entender nada”, contou Souza.