Por Tereza Cruvinel, jornalista, no 247
Embora o presidente Lula tenha autorizado na noite de quinta-feira o recurso ao STF contra o Decreto Legislativo do Congresso que derrubou o aumento das alíquotas do IOF, a opção do governo não é pelo confronto aberto com o Legislativo, uma disputa em que dificilmente seria vencedor. Por outro lado, o governo também não pode, como diz um assessor palaciano, “abaixar a cabeça e engolir o desaforo”.
Por isso, além de judicializar a questão, em defesa de uma prerrogativa do presidente da República que o decreto legislativo do Congresso usurpa, o Governo vai sustentar a retórica da justiça tributária embutida nas medidas que propõe, denunciando a resistência dos mais ricos em pagar um pouco mais para garantir o ajuste das contas públicas e a manutenção de políticas que favorecem os mais pobres, principalmente os moradores do porão.
Obviamente o Governo entende que a queda de braço com as forças de direita no Congresso tem ao fundo a eleição do ano que vem, o plano de sangrar Lula para evitar sua reeleição, como aliás já foi feito com ele antes do pleito de 2006, em que ele se reelegeu. Mas será fazendo política, ora conciliando, ora endurecendo, que Lula pretende atravessar o percurso que tem pela frente até à eleição, e não partindo para o confronto sem volta.
A decisão de recorrer ao Supremo, que inicialmente dividiu o entorno de Lula, acabou produzindo uma rara unidade entre os ministros que compõem o centro decisório do Governo, tais como Haddad, que foi o defensor inicial da medida, Gleisi Hoffamann, Rui Costa, Jorge Messias e Sidônio Palmeira.
No final, prevaleceu o entendimento de que o recurso ao STF não era simplesmente uma opção, mas uma obrigação do presidente, para garantir a observância de uma competência exclusiva que a Constituição lhe garante.
Embora tenha sido noticiado para o final do dia de sexta-feira um provável encontro de Lula com os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, ele só deve acontecer na próxima semana, quando a poeira já tiver baixado mais.
Quando ele acontecer, o presidente explicará que tinha a obrigação de arguir junto ao STF a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo que derrubou seu decreto sobre o IOF. Dirá, segundo um auxiliar, que sempre aceitou tudo o que o Congresso lhe impôs, dentro da legalidade: rejeição de propostas, devolução e não aprovação de MPs, derrubada de vetos e controle de boa fração do orçamento através de emendas, por exemplo. Não poderia, porém, aceitar a violação de uma competência privativa da Presidência da República, até porque o que lhe for usurpado hoje o será também de seus sucessores.
O artigo 153 da Constituição, de fato, diz que compete exclusivamente à União instituir impostos sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários” e que é facultado ao Executivo alterar as alíquotas destes tributos.
Será uma conversa para distensionar a relação mas Lula não deixará também de registrar seu profundo desagrado com a forma como se deu a imposição da derrota acachapante na noite de quarta-feira. Primeiro, porque houve o entendimento tácito de que o Governo disporia de pelo menos duas semanas, após a aprovação da urgência na noite de segunda-feira, 23, para evitar a votação do PDL (projeto de decreto legislativo), e isso não foi observado. Segundo porque houve uma alteração do rito decisório. O presidente da Câmara sempre define a pauta ouvindo o colégio de líderes e desta vez marcou a votação por decisão unilateral (embora tenha competência legal para isso) através das redes sociais, por volta das 23 horas da noite de terça-feira.
Diz-se que ele fez isso a pedido da Davi Alcolumbre, presidente do Senado, que vem tentando forçar o governo a demitir o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, para indicar seu sucessor. Em troca, garantiu a Motta a aprovação (que aconteceu na mesma noite) do projeto que aumentou o número de deputados.
Lavadas as mágoas e a roupa suja, Lula buscará zerar o jogo. Reconhecerá, por exemplo, que na mesma noite das derrota a Câmara aprovou outras matérias de seu interesse, como a MP do crédito consignado para empregados do setor privado, o projeto que permite a venda antecipada de campos de petróleo, a inclusão de projetos habitacionais no Fundo Social do Pré-Sal e o reajuste da tabela de isenção do imposto de renda para até dois salários-mínimos. O outro projeto, que amplia a isenção até cinco salários-mínimos, continua parado como o relator, Arthur Lira.
Nas redes sociais há um clamor de militantes do PT e de apoiadores do governo pela adoção de uma estratégia de confronto e até de rompimento, a exemplo da hastag @Congresso inimigo do Povo. Não é o que busca Lula, com sua reconhecida intuição e sua experiência política.
O próprio ministro Fernando Haddad, certamente o mais machucado em todo este embate, em palestra na USP, nesta sexta-feira, fez uma declaração sugestiva de endurecimento: “Não é hora de se recolher (…). Agora é hora de vestir o uniforme do embate, do bom debate público, do debate político, da disputa por ideias, por futuro, com as nossas armas, que são o conhecimento, a empatia e o bom senso”.
Mas isso também faz parte do jogo orientado por Lula, de evitar o confronto sem abaixar a cabeça. Haddad continuará continuará empinando, mais que todos, a retórica da justiça tributária, que segundo pesquisas qualitativas, estaria sendo bem recebida pela sociedade, em oposição a um Congresso percebido como defensor dos mais ricos.