Lula, Vila Cruzeiro e a matança de pobres pretos pelas polícias Militar e Civil

Confira o artigo de opinião do Julian Rodrigues, professor e jornalista, militante de Direitos Humanos e LGBTI, ativista do PT-SP,

Foto: Divulgação
Policiais e blindado no meio da Vila Cruzeiro, no RJ

Por Julian Rodrigues, jornalista, no Viomundo

Lula e a Vila Cruzeiro

A matança sistemática de pobres pretos pelas Polícias vai ser parte do debate eleitoral? Quais as propostas para superar esse horror?

Entre 25 a 30 corpos.

Nem o número de exato de pobres favelados que foram executados cruel e sumariamente pela polícia do Rio de Janeiro na madrugada do último dia 24 de maio a gente sabe.

Há um ano, em maio de 2021, 28 trabalhadores e trabalhadoras foram assassinados no Jacarezinho pela mesma Polícia Militar fluminense sob o comando de Wilson Witzel , ex-juiz que ganhou de presente o governo estadual do Rio ao se associar à Bolsonaro.

A PM e a polícia civil do Rio mataram 1.814 pessoas em 2019 e 1.245 em 2020 – dados oficiais.

A violência da polícia do Rio de Janeiro recrudesceu (mesmo considerando que as forças policiais brasileiras são as que mais matam e mais morrem em todo mundo).

O bolsonarista do PSC que virou governador, o tal Wilson Witzel – oportunista ex-juiz que pegou carona na onda neofascista, já tinha anunciado a barbárie em sua campanha eleitoral: “o correto é matar o bandido ..a polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo – para não ter erro”.

Necropolítica institucional abertamente transformada em ativo propagandístico. Tipo assim: um aprofundamento da violência de Estado contra jovens, pobres, pretos.

Retórica e política reacionárias/hipócritas da tal “guerra às drogas” sempre manuseadas pelas classes dominantes contra o andar de baixo.

Lula e uma nova segurança pública

Enfrentar a hegemonia neofascista e conservadora nesse tema e salvar vidas demanda decidir romper com o senso comum.

Questionar de peito aberto com embasamento científico o desenho atual das polícias mais as políticas proibicionistas e de encarceramento em massa. Propor uma nova abordagem, nova legislação, novas políticas – romper com a inércia do senso comum.

Em 2023, a PEC 51 proposta pelo ex-senador fluminense do PT, nosso Lindbergh Farias, inspirada pelo grande Luis Eduardo Soares fará aniversário: 10 aninhos.

Tal emenda constitucional abriu o debate sobre retirar o caráter militar das forças de segurança estaduais e reorganizar toda a política nacional de segurança pública.

O número de mortes violentas no Brasil é altíssimo – sempre rondando o patamar de 60 mil por ano.

Ocorre que justamente quem deveria nos proteger e evitar essas mortes se associa ao genocídio.

Em 2021, mais de 6 mil brasileiros e brasileiras foram assassinados por policiais. Ou seja: 10% (pelo menos) do morticínio é de responsabilidade das PMs.

Nós — do PT, da esquerda, dos setores progressistas — nunca enfrentamos essa questão de frente.

Geralmente ignoramos o elefante na sala ou, pior, repetimos as piores práticas conservadoras – muito além de pactos pragmáticos (os governos estaduais do PT que o digam!).

“O que eu defendo claramente é que sou contra a criminalização da maconha e do usuário. Não tem sentido a polícia pegar um usuário e tratar como se fosse criminoso. No entanto, este é um assunto que tem de ser tratado com muita seriedade”.

Lulão mesmo foi quem proferiu essa sábia declaração em 2015, em um debate com jovens no ABC.

Creio que um novo governo Lula tem como um de seus desafios fundamentais cessar o genocídio e o encarceramento em massa de jovens, pobres pretos.

Somos milhões de pessoas que votaremos em Lula com a expectativa de que um governo de esquerda possa girar a chave e abrir um novo período na história. Sem medo de ser feliz, sem medo de falar a verdade.

Mimetizar o adversário nunca deu certo. Afasta-nos de nossos objetivos e compromissos históricos. Nos apequena. Pior: indistingue-nos, aos poucos, de nossos inimigos de classe.

Ou seja: fazer cosplay de político evangélico-militar-reacionário que promete porrada, polícia nas ruas, bandido na cadeia e coisas do tipo só fortalece a hegemonia deles e contraria o que nós somos e nossa própria razão de existir como esquerda.

Cessar a matança e o encarceramento da juventude pobre, preta e periférica. Parar com a guerra às drogas. Reconstruir o aparato policial para que deixe de ser dispositivo moedor de carne jovem/preta/pobre.

Assim, é preciso que, desde já, a campanha Lula Presidente incorpore de alguma forma esse tema. Sem cair em provocações da extrema-direita, temos que sinalizar desde já novas perspectivas.

Marqueteiros e senso comum à parte, vamos pensar nas milhares de mães trabalhadoras, pobres, pretas que perdem seu filhos de maneira violenta.

Tratar de sinalizar uma nova democracia, na qual o Estado não seja apenas um dispositivo de morte para quem mora nos lugares “errados”.

Lula tem muita sensibilidade e abertura para discutir essa questão. Tem empatia e entende o problema.

Temos que pular as barreiras do pragmatismo (sempre de plantão) e convencer o PT e a direção da campanha para a urgência desse tema. Uma questão programática incontornável. Na campanha e no futuro governo (oxalá).

Não é tão difícil assim, se a campanha Lula conseguir entrar em sintonia com essa gente. Carne negra: a mais barata do mercado.

(E viva Elza Soares!)

Esse artigo não reflete necessariamente a opinião do Pensar Piauí