Lula e a pesquisa Quaest: a análise de Miguel do Rosário

Lula recupera parte da classe média, mantém forte aprovação entre seu próprio eleitor e na esquerda, mas continua sangrando junto a famílias de baixa renda

O Cafezinho - O painel mais ilustrativo da última pesquisa Quaest divulgada hoje, a meu ver, é o que mostra a aprovação do governo estratificada por eleitor no segundo turno de 2022.

Como a abstenção no Brasil é relativamente baixa, temos basicamente dois grandes grupos de opinião, composto pelos eleitores de Lula, num lado, e de Bolsonaro, em outro. E um terceiro grupo, bem menor, de eleitores que não foram votar ou que anularam seu voto.

Entre eleitores de Lula, a aprovação subiu dois pontos nessa pesquisa e se estabilizou em 74%, contra 24% de desaprovação.

Já entre eleitores de Bolsonaro, houve oscilação de um ponto para baixo, e ficou em 91%.

A boa aprovação de Lula no ano passado se explicava pela aprovação muito alta entre seus próprios eleitores, que chegou a quase 90% em outubro de 2024. Mas também por uma incursão bem sucedida entre eleitores de Bolsonaro, entre os quais o petista obteve perto de 20%.

Mas a mudança maior, de fato, ocorreu entre eleitores que não votaram em 2022. O que explica, a propósito, porque Lula se mantém favorito para as eleições em 2026: entre eleitores que não votaram em ninguém, é possível que voltem a se abster, não beneficiando ou prejudicando nenhum candidato.

Outro painel interessante da pesquisa traz a divisão por renda, e ele confirma um ponto que eu já tinha observado na Atlas/Bloomberg, mas que achei tão surpreendente que suspeitei de algum ruído.

Esses dados estratificados tem margem de erro muito alta e a gente deve sempre examiná-los com mais leveza, sem tirar grandes conclusões.

Mas é um fato agora que vai se esclarecendo. Lula começou a se recuperar na classe média. Segundo a Quaest, a aprovação de Lula melhorou sensivelmente entre eleitores com renda entre 2 a 5 salários, que formam o maior grupo social do país. A aprovação de Lula neste segmento subiu 7 pontos, de 36% em março para 43% agora. A rejeição neste mesmo grupo caiu 5 pontos, de 61% para 56%.

O presidente também se recuperou entre eleitores com renda familiar acima de 5 salários, entre os quais pontuou 38% de aprovação, 4 pontos de alta sobre março, e 61% de rejeição, 3 pontos abaixo da pesquisa anterior.

O preocupante mesmo, para Lula, é a sangria que vem sofrendo entre os eleitores de baixa renda, com renda familiar até 2 salários. Entre esses, não houve nenhuma recuperação. Pelo contrário, o gráfico mostra que a aprovação de Lula continua em queda livre, embora ele ainda mantenha apoio de 50% nesta faixa, contra 49% de rejeição.

Outra apuração interessante da Quaest é que temos 29% de eleitores de esquerda, contra 34% mais à direita, o que mostra uma sociedade tendendo ao equilíbrio ideológico.

Isso contraria a tese, ventilada às vezes, de maneira pouco reflexiva, até por intelectuais progressistas, de que vivemos numa sociedade com maioria conservadora. Segundo a pesquisa, 14% dos eleitores se consideram lulistas ou petistas, e 15% se identificam mais à esquerda, mesmo não se vendo como lulistas ou petistas.

Do outro lado, temos 23% que se consideram “mais à direita” e 11% de “bolsonaristas”, totalizando os 34% à direita mencionados acima.

Um grupo importante é formado por 33% dos entrevistados que disseram “não ter posicionamento”.

Como a aprovação de Lula se estratifica junto a esses grupos ideológicos?

Entre eleitores lulistas ou petistas, a aprovação se mantém sólida em 89%, embora já tenha chegado a quase 100% ao final do ano passado. Já entre o grupo menos identificado com Lula, porém mais à esquerda, o apoio de Lula se recuperou para 77% (contra 74% em março). Esses números são muito bons para Lula, porque o mostra como extremamente bem avaliado em seu próprio campo. Numa sociedade tão profundamente polarizada como a nossa (como estão as sociedades, aliás, nas principais democracias contemporâneas), ter uma aprovação tão sólida e positiva num dos pólos é meio caminho andado para a vitória.

Curiosamente, Lula melhorou sua performance entre o grupo mais à direita, e até mesmo entre bolsonaristas.

É junto ao grupo que “não tem posicionamento” que o petista continua tendo problema: 61% de rejeição e apenas 33% de aprovação. O presidente precisa oferecer políticas públicas estrutrantes que convençam essa parte da sociedade a apoiar o seu projeto.

Alguns painéis sobre como a população está vendo a economia ajudam a explicar porque Lula ainda enfrenta dificuldades para recuperar aprovação entre as camadas de baixa renda, ao mesmo tempo que também indicam as razões da melhora de seu desempenho em alguns setores médios.

Perguntados se a economia do Brasil melhorou, ficou do mesmo jeito ou melhorou, um grupo grande de 48% respondeu que piorou. Isso explica a dificuldade entre os pobres, já que é óbvio que se houve piora, ela afeta mais duramente as famílias mais vulneráveis socialmente. Por outro lado, repare que esse número já foi muito pior: em março, 56%. Isso poderia nos autorizar a imaginar que o “pior passou”, se não fosse perigoso ser otimista em tempos tão incertos…

Aparentemente este é o novo “normal” de Lula e seu governo a partir de agora: uma aprovação oscilando em torno de 40%, contra uma rejeição flertando com 60%.

É possível se reeleger com este percentual, mas com muito risco, e a depender do desempenho do adversário. Se quiser construir uma vitória mais tranquila, Lula precisará ampliar sua aprovação para mais perto de 50%, o que talvez seja mais fácil durante o período eleitoral, quando as energias do governo e de seus apoiadores estarão mais focadas e convergentes.

Gostaria também de partilhar uma teoria sobre aprovação de governo que me parece fazer cada vez mais sentido.

O símbolo da “pesquisa de opinião” tem se enraizado cada vez mais na cultura política brasileira, e já faz parte da maneira como pensamos a nossa própria democracia. A gente vota num presidente e depois acompanha, monitora e qualifica seu governo ao longo do mandato.

Mas como fazemos isso?

Que instrumentos efetivos o povo brasileiro tem para mandar sinais para o governo e seu presidente?

Na minha opinião, a única forma efetiva de chamar atenção do presidente é sinalizando insatisfação. Claro que nem todo mundo pensa assim, pois neste caso a aprovação do governo tenderia a zero. Entretanto, suspeito que um número importante de eleitores de Lula, em especial os de baixa renda, mas não apenas estes, indica insatisfação numa pesquisa como forma de fazer uma pressão de baixo para cima para que o governo entregue mais, trabalhe mais, tenha mais foco no que é importante.

Como o nosso sistema não desenvolveu praticamente nenhum canal institucional efetivo para que o povo participe mais diretamente dos processos decisórios que conduzem o país, não vejo alternativa que não seja esta sinalização negativa nas pesquisas. E não digo isso para rebaixar essa opinião popular a uma advertência leviana, superficial. Nem para concluir que esse eleitor, mesmo dizendo não a Lula agora, irá dizer sim na hora do voto em 2026. Ao contrário, acho que o governo deve reagir a essa pressão vinda de baixo com o máximo de inteligência, tentando entender o que, exatamente, a população anseia.

A própria pesquisa Quaest traz pistas. O problema da violência se tornou a principal preocupação das famílias brasileiras.

Todas outras preocupações estão estáveis ou em declínio. Houve um pico de preocupação com a corrupção, mas se mantém em apenas 13%, o que é baixo. A angústia popular com a economia e as questões sociais desabaram, o que prova a minha tese: parte expressiva da população aprendeu a “manipular” (no bom sentido) as pesquisas para direcionar políticas públicas para áreas que ela considera mais preocupantes no momento.

No caso atual, é a segurança pública.

Eu acrescentaria apenas que a solução do problema da violência deve ser sempre considerada em paralelo com a questão da mobilidade. Não é que devemos primeiro ter metrôs, vlts e trens de alta velocidade para, só depois, termos segurança, mas sim que o processo de iniciar a construção de obras de infraestrutura, em si, já traz as soluções.

Antes da ferrovia começar a ser construída, vem a remodelagem urbana, iluminação, vigilância, limpeza, policiamento, empregos. Tudo isso ajuda a conter as ondas de violência que continuam devastando nossas cidades, a aprovação do governo Lula e a esperança de enterrarmos em 2026, de um vez por todas, esse movimento golpista, reacionário, fascista, que nos atormenta há alguns anos.