A Justiça Restaurativa representa uma mudança paradigmática na forma de lidar com conflitos dentro do sistema judicial brasileiro. Implantada progressivamente pelos Tribunais de Justiça dos estados, essa abordagem se distancia da lógica meramente punitiva e propõe uma construção coletiva de soluções que priorizam a responsabilização ativa do ofensor, a reparação dos danos e a escuta das vítimas.
A crescente demanda por respostas mais humanas, eficazes e pacificadoras no sistema de Justiça levou à adoção de novas práticas voltadas à cultura de paz. Nesse cenário, a Justiça Restaurativa surge como um modelo alternativo e complementar à justiça tradicional. Sua proposta é restaurar os vínculos rompidos pelo conflito, por meio do diálogo, da escuta ativa e da corresponsabilização entre as partes envolvidas, incluindo a vítima, o ofensor e a comunidade.
Nos últimos anos, os Tribunais de Justiça estaduais vêm institucionalizando práticas restaurativas como política pública de Justiça, em consonância com diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que reconhece sua eficácia na resolução de conflitos penais e cíveis, especialmente aqueles de menor gravidade.
A Justiça Restaurativa se fundamenta nos seguintes princípios:
- Responsabilização ativa do ofensor
- Protagonismo da vítima
- Participação da comunidade
- Busca por reparação e restauração de vínculos
- Diálogo como instrumento central de resolução
Ela não visa apenas punir, mas transformar as relações deterioradas pelo conflito, promovendo um processo de cura, reconhecimento e construção de soluções sustentáveis.
A Justiça Restaurativa passou a ganhar forma normativa com:
- Resolução nº 225/2016 do CNJ, que instituiu a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário;
- Resolução nº 300/2019 do CNJ, que define diretrizes para implementação dos Núcleos de Justiça Restaurativa nos Tribunais;
- Leis estaduais e projetos-piloto que reforçam o apoio institucional.
Essas resoluções orientam os Tribunais de Justiça a instituírem Núcleos de Justiça Restaurativa, capacitação de facilitadores e parcerias com instituições públicas e privadas.
Diversos Tribunais de Justiça vêm implementando projetos e programas com base restaurativa, com destaque para:
a) Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
Um dos pioneiros, criou Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) com práticas restaurativas aplicadas a infrações penais e conflitos escolares, por meio de Círculos de Construção de Paz.
b) Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)
Referência nacional, o TJRS desenvolve desde 2005 ações restaurativas em escolas, centros socioeducativos e varas da infância e juventude. Destaca-se o programa “Justiça para o Século 21”.
c) Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)
Possui Núcleo de Justiça Restaurativa que atua em varas criminais, da infância e violência doméstica. O TJDFT também é conhecido por capacitar servidores e promover eventos de conscientização.
d) Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI)
Iniciou a implantação da Justiça Restaurativa em 2011, com apoio do CNJ e da Escola Judiciária. Está ampliando gradualmente a aplicação das práticas em escolas e comunidades vulneráveis.
Entre os principais benefícios observados na prática, destacam-se:
- Redução da reincidência criminal;
- Melhoria na convivência escolar e comunitária;
- Reparo moral e simbólico às vítimas;
- Redução da judicialização de conflitos de baixa complexidade;
- Fortalecimento do sentimento de pertencimento e cidadania.
Apesar dos avanços, a Justiça Restaurativa ainda enfrenta obstáculos em sua plena efetivação:
- Resistência cultural por parte de operadores do direito;
- Necessidade de maior formação e capacitação de facilitadores;
- Escassez de recursos estruturais nos tribunais;
- Falta de conscientização da sociedade sobre o modelo restaurativo.
Entretanto, o avanço das políticas públicas voltadas à cultura da paz e o engajamento de magistrados, servidores e comunidades indicam um caminho promissor para a consolidação da Justiça Restaurativa como política permanente nos Tribunais de Justiça.
A Justiça Restaurativa representa um novo paradigma no tratamento dos conflitos sociais, baseando-se no diálogo, na corresponsabilização e na busca por soluções restauradoras e humanizadas. Sua expansão no âmbito dos Tribunais de Justiça demonstra um amadurecimento do Poder Judiciário, que passa a reconhecer que não basta punir — é preciso restaurar.
A consolidação dessa abordagem exige investimento contínuo em capacitação, estrutura e mudança de mentalidade, tanto dos profissionais quanto da sociedade. A adoção da Justiça Restaurativa é, sem dúvida, um passo essencial na construção de uma Justiça mais próxima das pessoas, mais efetiva e, acima de tudo, mais humana.
Veja esta entrevista do pensarpiaui sobre o tema: