Justiça fiscal: Globo, "especialistas" e Congresso se aliam contra impostos para os ricos

Veja a resistência ferrenha de uma elite política, empresarial e midiática que se recusa a abrir mão de seus privilégios

O Brasil vive um momento revelador sobre quem, de fato, manda no país. De um lado, o governo federal tenta implementar uma agenda mínima de justiça fiscal, com ajustes pontuais — como a elevação da alíquota do IOF — para garantir mais recursos à máquina pública. Do outro, um Congresso Nacional cada vez mais alinhado com os interesses do topo da pirâmide social, que derruba medidas voltadas a fazer quem tem mais pagar um pouco mais.

Nesse cenário, a imprensa, que poderia exercer seu papel de mediadora do debate público, opta por se colocar como escudo dos poderosos. Foi o que se viu na edição do Jornal Nacional desta segunda-feira (1º), quando a Globo noticiou que o governo Lula pretende recorrer à Justiça para garantir a validade do decreto que ajusta o IOF. Até aí, o fato. Mas a reportagem, assinada por Zileide Silva, envereda por uma narrativa enviesada, pró-mercado e favorável aos que mais têm.

Zileide cita, sem questionamento, as “17 frentes parlamentares que representam o setor produtivo”, uma expressão cada vez mais comum na grande imprensa e igualmente enganosa. Quando os jornais falam de “setor produtivo”, não estão se referindo ao trabalhador rural que colhe frutas no Nordeste, nem à professora da escola pública ou ao motorista de aplicativo. O “produtivo”, nesse vocabulário, são os patrões, os donos do capital. É um truque de linguagem que exclui a imensa maioria da população brasileira da equação econômica nacional.

A matéria ainda recorre a dois economistas que reforçam esse viés elitista: Renan Pieri, professor da FGV, e Juliana Inhasz, do Insper. Ambos defendem que o governo deve conter gastos — uma receita velha, repetida à exaustão por quem nunca precisou do SUS, da rede pública de ensino ou do transporte coletivo.

Pieri afirma que o “melhor para a sociedade” seria reduzir os gastos públicos em vez de elevar o IOF. Diz que o governo “aumentou a carga tributária”, o que não é verdade. Não há criação de novo imposto. A proposta é de ajuste numa alíquota já existente — e que, vale lembrar, foi maior durante o governo Bolsonaro. Segundo o professor da FGV, “a melhor solução seria conter o avanço dos gastos públicos”. O que ele não diz — e a Globo também não — é que esses chamados “gastos” são os remédios distribuídos pela Farmácia Popular, os insumos nos hospitais do SUS, o transporte escolar, a escola de tempo integral, as universidades, a ciência, as estradas e as ferrovias.

Juliana Inhasz segue o mesmo roteiro. Classifica o governo como “caro, custoso” e reforça a urgência de cortar gastos. Mas não menciona, é claro, o peso dos subsídios fiscais concedidos a grandes empresas ou a farra dos juros pagos aos rentistas da dívida pública — estes, sim, um rombo silencioso e permanente nas contas da União.

No fundo, o que está em jogo é um projeto de país. De um lado, a tentativa — tímida, mas relevante — de redistribuir o esforço fiscal. Do outro, a resistência ferrenha de uma elite política, empresarial e midiática que se recusa a abrir mão de seus privilégios. E para isso, contam com o Congresso, a Globo e uma fileira de “especialistas” que falam a mesma língua dos bancos. A língua de quem quer um Brasil onde o pobre pague imposto e o rico mande no debate.