A ofensiva do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), para barrar o decreto do governo Lula que aumentava a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi recebida como um “tiro no pé” nas redes sociais. A movimentação, articulada por Motta em aliança com o centrão e a extrema direita, desencadeou uma onda de protestos digitais, e a hashtag #HugoMottaTraidor rapidamente subiu para os assuntos mais comentados no X (antigo Twitter) na noite desta terça-feira (1º).
A iniciativa de Motta — que, segundo fontes do Planalto, desrespeitou acordos firmados com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann — gerou forte irritação no governo. O deputado havia prometido não levar a matéria à votação, mas mudou de posição de última hora, ignorando ligações e apelos de lideranças governistas.
Na prática, ao derrubar o aumento do IOF, o Congresso Nacional blindou setores mais ricos da sociedade de uma maior carga tributária, obrigando o governo a buscar alternativas para cumprir o arcabouço fiscal. A consequência pode recair sobre programas sociais e investimentos públicos, elevando a tensão política.
Sátira viral expõe relação do Centrão com os ricos
O descontentamento com a manobra de Motta não se restringiu às esferas institucionais. Nas redes sociais, uma sátira produzida com inteligência artificial ganhou repercussão ao escancarar o alinhamento entre o centrão e os interesses da elite econômica brasileira. O personagem “Hugo Nem Se Importa”, inspirado em Motta, viralizou em vídeos que ironizam os gastos públicos e a blindagem aos bilionários.
"Fala, meu povo escravo do trampo. Aqui quem fala é o deputado Hugo Nem Se Importa. Agora é hora do jantar de luxo. E quem paga a conta? Vocês", diz o personagem em um dos vídeos que circulam amplamente nas redes. Em outro trecho, ao entornar uma garrafa de whisky, o avatar dispara: "Relaxa, Brasil. Amanhã essa garrafa vira nota fiscal".
O perfil responsável pelo conteúdo, "Brasil – Sátira do Poder", já ultrapassou 7,8 mil seguidores em apenas quatro dias no TikTok. O conteúdo escancara a percepção popular de que parlamentares do centrão — aliados históricos de qualquer governo que lhes conceda privilégios — estão agindo não em nome do povo, mas em defesa de grandes fortunas.
PT lança campanha por justiça fiscal: “Taxação BBB”
Diante do desgaste no Congresso, o Partido dos Trabalhadores (PT) reagiu com uma nova campanha digital intitulada “Taxação BBB: bilionários, bancos e bets”, retomando sua histórica bandeira de justiça tributária. A ofensiva acontece em meio a derrotas legislativas do governo em temas cruciais, como a desoneração da folha de pagamento e metas fiscais.
A proposta busca dialogar diretamente com a população e destacar que as mudanças pretendidas pelo governo Lula — como a tributação de fundos exclusivos, offshores e apostas esportivas — têm como meta corrigir um sistema tributário regressivo, no qual os mais pobres pagam proporcionalmente mais do que os mais ricos.
Segundo o Ministério da Fazenda, as medidas podem gerar até R$ 20 bilhões por ano em arrecadação adicional, sem penalizar a classe média ou os mais pobres. No entanto, mesmo essas propostas têm enfrentado resistências dentro do Congresso, sob pressão de lobbies empresariais e do setor financeiro.
Brasil é líder em desigualdade na América Latina
O pano de fundo dessa disputa política e simbólica é a profunda desigualdade de renda do Brasil. De acordo com o Relatório de Riqueza Global 2024, do banco suíço UBS, o país tem 433 mil milionários, o maior número da América Latina. Ao mesmo tempo, ocupa a primeira posição em desigualdade de renda entre os 56 países analisados, segundo o índice de Gini ajustado pelo próprio UBS.
O estudo também projeta que o Brasil será um dos líderes mundiais em transferência intergeracional de riqueza nas próximas décadas, o que tende a perpetuar a concentração patrimonial e tornar o debate sobre justiça tributária ainda mais urgente.
Uma disputa que antecipa 2026
Aliados de Hugo Motta tentam, nos bastidores, usar esse embate para fortalecer a imagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como alternativa de “terceira via” à Presidência em 2026. Ao barrar medidas que taxam os mais ricos, o grupo tenta construir uma plataforma de oposição a Lula baseada em discursos pró-mercado e antipetismo fiscal.
No entanto, a resposta das redes sociais e da base social do PT demonstra que essa estratégia pode sair cara. A leitura predominante é a de que, ao proteger bilionários, o Congresso acaba expondo sua distância do povo — e isso, ao que tudo indica, está longe de ser esquecido.
Com informações da Fórum