"Há uma corrida para liquidar o Estado Nacional e tirar o Brasil do 'último trem da história' ", José Dirceu

Ex-ministro diz que o governo e setores da elite "se apegam a uma agenda e modelos econômicos fracassados"

Foto: Partido dos Trabalhadores
José Dirceu

  

Em artigo publicado no site Poder 360, o ex-ministro José Dirceu faz uma análise da conjuntura econômica e política, inclusive internacional, para concluir que existe uma corrida para liquidar o Estado Nacional. E ainda: dando as costas às transformações geopolíticas, o País corre o risco de perder o último trem na corrida tecnológica e de reorganização da globalização em marcha.

Leia a íntegra:

Vivemos tempos de dualidades, alguém dirá. Mas sempre foi assim. A velocidade das mudanças no mundo, sejam políticas, como ascensão da extrema-direita, sejam tecnológicas ou geopolíticas nos impõem a responsabilidade de procurar avaliar bem o impacto dessas mudanças para saber quais representam oportunidades e quais são riscos para o país.

Não há como desconhecer que Jair Bolsonaro (PL) e o que representa, inclusive a sombra do artigo 142 da Constituição, é uma ameaça real à democracia e ao processo eleitoral em curso. Mais: há sinais claros de que afrontará o resultado eleitoral, seja pelo questionamento das urnas eletrônicas ou simplesmente criando um ambiente de instabilidade institucional, ao ameaçar não cumprir ordens do Judiciário, ou social, quando fala em convulsão social ou a estimula via ações policiais ou de governo.

Sua fala a empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro – chamar os presentes de empresários é uma generosidade com a maioria do público presente – é uma prova factual de sua insurgência contra a ordem democrática, fora as ameaças de golpe que proferiu. Tão ou mais grave é o comportamento de alguns dos presentes que buscam interlocutores no campo democrático para afirmar que não compactuam com o caminho indicado pelo golpista, mas se recusam a denunciá-lo publicamente.

Outro sinal dos tempos é a recusa de amplos setores empresariais e seus porta-vozes ou funcionários em aceitar as mudanças em todo o mundo pós-pandemia e guerra na Ucrânia. Estas mudanças, decorrentes, em sua raiz, da crise da globalização financeira, da ascensão da China como 1ª potência econômica e tecnológica e da perda da hegemonia absoluta dos Estados Unidos.

Há um mundo multipolar real que independe da ofensiva que a administração democrata inicia na tentativa de recriar a Guerra Fria e isolar ou impedir a liderança da China e que Rússia, Índia, Irã, Turquia e amanhã Brasil, Nigéria e Indonésia se apresentem como potências médias com autonomia relativa para definir seus rumos e desenvolvimento nacional.

A fracassada e ilusória “Cumbre” das Américas é um sinal evidente do equívoco dessa política. Os discursos do ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, e do presidente Alberto Fernández, da Argentina, expressam abertamente a oposição à política norte-americana para a América Latina e expõem a falência da OEA (Organização dos Estados Americanos). Além de não aceitarem a exclusão de Cuba, Venezuela e Nicarágua e a política de sanções econômicas.

No fundo, são gritos contra a atual ordem internacional e a tentativa de Biden de retomar a Guerra Fria e abandonar uma agenda urgente de combate à fome, ao desemprego e informalidade, à desigualdade e à violência que assolam nossos países. De combate ainda à emigração forçada de nossos povos, ao endividamento externo de nossos países, aos impasses do comércio internacional. E por uma agenda que contemple a reforma das Nações Unidas e de seus organismos como a OMC (Organização Mundial do Comércio), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento).

Há uma negativa direta dos governos do México e da Argentina às tentativas de Washington de impor de novo à América Latina sua agenda e sua política externa que podem representar seus interesses, legítimos ou não, imperiais ou não, mas não necessariamente os nossos.

DESASTRE ANUNCIADO

Enquanto isso, no Brasil, assistimos um governo em final de mandato leiloando o patrimônio nacional, pregando abertamente o controle de preços nos supermercados, destruindo qualquer sinal de responsabilidade fiscal, torrando literalmente recursos públicos e os utilizando ilegalmente com fins eleitorais. Também usando e abusando da máquina administrativa, atacando a ordem constitucional federativa na tentativa de se isentar da responsabilidade pela desastrada decisão de dolarizar o preço dos combustíveis, e obrigando os Estados a arcar com as consequências de suas decisões econômicas.

Mesmo diante do desastre consumado, a festa continua. Os rentistas comemoram a privatização da Eletrobras e um fundo de investimentos suspende uma pesquisa de opinião por razões políticas e, depois, maquia a decisão. O que nos leva à seguinte pergunta: quem garante que, amanhã, não vai maquiar seus balanços, como ocorreu nos Estados Unidos com bancos de 1ª linha na crise de 2008?

A insensibilidade é a marca do momento. Nossas elites financeiras e seus porta-vozes vivem como se não estivéssemos à beira do abismo, como se o aumento da fome e da pobreza e a estagnação de nosso país fossem ficção, como se não houvesse risco de perdermos o último trem na corrida tecnológica e de reorganização da globalização em marcha.

Se apegam a uma agenda e modelo econômicos fracassados, não acreditam que o Brasil possa ter um desenvolvimento autônomo e seja capaz, como no passado quando negavam que podíamos nos industrializar ou tínhamos petróleo, de se industrializar, integrar a América do Sul, superar a pobreza e a miséria, as desigualdades e consolidar sua democracia.

Ao contrário: patrocinam uma agenda legislativa que caminha rapidamente, antes que as eleições mudem o destino do Brasil, para liquidar o Estado Nacional construído nos últimos 100 anos, entregam de mão beijada a renda do petróleo a milhares de acionistas, metade no exterior, às custas da fome de milhões de brasileiros e nos roubam o futuro de uma nação próspera e justa.

Mais do que nunca é hora de nos unirmos e mobilizarmos nosso povo para que, em outubro nas urnas, retome em suas mãos o destino de nossa pátria.

Via Brasil247