Fórum - Quem olha os números das pesquisas hoje, a um ano e quatro meses das eleições presidenciais de 2026, pode achar que o presidente Lula nunca esteve em uma situação tão delicada em termos de disputa eleitoral desde que se elegeu pela primeira vez ao Planalto, em 2002. Nada mais equivocado.
Em uma entrevista publicada pela Folha de S. Paulo em 6 de junho de 2005, o então deputado federal Roberto Jefferson, à época o "chefe" do PTB, denunciou o que chamava de "Mensalão", suposto esquema de compra de apoio político na Câmara dos Deputados, por parte do Executivo.
O Brasil mais tarde conheceria quem é Roberto Jefferson em todo seu esplendor. Mas, à época, tudo que ele dizia ganhava ares de verdade para a mídia corporativa e um grande escândalo passou a frequentar diariamente todos os veículos de mídia. O governo teve que enfrentar duas CPIs: a dos Correios e a do Mensalão. Perdeu um de seus ministros mais importantes, José Dirceu, e viu outros nomes do PT afetados pelas denúncias.
A popularidade de Lula caiu, mas o impacto mais significativo se deu nas pesquisas de intenção de voto para presidente.
O que diziam as pesquisas
Em agosto de 2005, na segunda pesquisa de intenção de voto realizada pelo Datafolha após a eclosão do escândalo, pela primeira vez o tucano José Serra aparecia à frente do presidente no segundo turno.
No primeiro, Lula tinha 30% e Serra, 27%, configurando empate técnico em função da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Já no turno final, o então prefeito de São Paulo liderava com uma boa vantagem: 48% das intenções de voto, contra 39% do presidente.
A situação piorou ainda mais no levantamento divulgado em 15 de dezembro, a menos de dez meses da eleição. José Serra liderava também no primeiro turno, com 36% dos votos, enquanto Lula tinha 29%. No segundo, a vantagem do tucano era maior do que no levantamento de agosto: 50% a 36%.
Aquela sondagem mostrava ainda que, também pela primeira vez, o presidente empatava com o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no segundo turno: 41% a 40%.
A recuperação de Lula
No início de 2006, o início de uma combinação de fatores fez com que Lula começasse uma trajetória de recuperação da sua popularidade e força política. As condições da economia, que terminaria aquele ano com crescimento de 3,8%, combinadas ao impacto das políticas sociais, em especial o Bolsa Família e o Luz para Todos, além do desemprego baixo e da inflação controlada, fizeram com que o governo fosse reconhecido pelo eleitorado.
Em fevereiro, segundo o Datafolha, a aprovação já era de 36%, oito pontos maior do que a verificada em dezembro. Ela chegou a 45% e foi a 52% em pesquisa realizada nos dias 21 e 22 de agosto, quando a campanha já havia se iniciado. Já era uma aprovação recorde na série histórica de pesquisas do instituto sobre avaliação dos presidentes brasileiros desde 1990.
O empate técnico verificado em dezembro entre Lula e Alckmin se tornou uma enorme vantagem para o petista no resultado final: 60,83% a 39,17%.
No fim de seu primeiro mandato, Lula era considerado por 35% dos entrevistados do Datafolha como o maior presidente da história do Brasil.
FHC cogitou entrar na disputa presidencial
A crise política que envolveu o governo Lula no segundo semestre de 2005 era tão grave que até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que terminou seu segundo mandato com 26% de ótimo/bom, segundo o Datafolha, e viu o candidato de seu governo em 2002, José Serra, falar mais das suas realizações como ministro da Saúde do que do governo tucano em si, ensaiou uma candidatura à presidência.
Em maio, ele negava a possibilidade. Questionado àquela altura sobre sua possível candidatura, FHC respondeu: "Eu não sou candidato. Poder, posso, mas eu não sou candidato. Não quero ser". E se o PSDB pedir? "Para que o partido vai pedir? Estou aqui com o Geraldo Alckmin ao meu lado, que é uma pessoa mais jovem, que tem energia, muito bom, competente. Tem outros que eu já mencionei, como o Aécio Neves", disse, segundo a Folha de S. Paulo.
Em agosto, contudo, com a crise do mensalão assolando o governo Lula, a disposição de FHC parecia outra. Uma matéria do jornal paulistano, de 21 de agosto, trazia o seguinte trecho:
Diferentemente do comportamento pré-crise, quando dizia que cobiçava apenas arbitrar a disputa tucana, FHC passou a cogitar uma terceira candidatura -governou de 1995 a 2002.
Ao fazer análises sobre a situação política, FHC primeiro acredita que a crise tem uma dinâmica de imprevisibilidade que só prejudica o governo. "Eles não têm estratégia. Perderam o controle."
"Só posso disputar se houver o caos", afirmou a um amigo. Sua avaliação da crise prevê que esse cenário já está se materializando.
O "caos" esperado acabou não chegando, embora o Mensalão tenha deixado cicatrizes sérias no governo e no PT. FHC não foi candidato e, em novembro, após a derrota do PSDB na disputa presidencial, ele dizia: “O Lula é a sua própria proposta de governo. O eleitorado sente isso. Ele representa a mobilidade social. Mas eu não sou nada disso”.
Cada tempo histórico tem suas características próprias, e nem o país é aquele de 20 anos atrás, tampouco Lula e seus adversários, assim como o cenário e a forma de fazer política. Mas algo não mudou: não se perde nem se ganha de véspera. Ainda mais quando a distância temporal é tão grande.