Grávida é barrada de sair para dar à luz; bebês morrem ao nascer na empresa

Trabalhadora deu à luz na portaria e perde filhas

Oito meses de gestação. Esse era o estágio da gravidez de uma trabalhadora venezuelana quando, às 3h40 da madrugada, ela começou a passar mal dentro do frigorífico da BRF, em Lucas do Rio Verde (MT). Sentindo dores intensas, tontura, ânsia de vômito e falta de ar, procurou socorro imediato da liderança e do supervisor. Mesmo assim, foi impedida de sair do setor — a produção não podia parar.

Sem acesso ao Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), apesar de ter solicitado ajuda diversas vezes, a mulher viu seus sintomas se agravarem até o ponto de não conseguir mais aguardar. Deixou o posto sozinha e foi para a portaria da empresa, onde se sentou em um banco próximo ao ponto de ônibus, na tentativa de chegar a um hospital. Mas o socorro não chegou a tempo.

Ali mesmo, em frente ao frigorífico, a funcionária entrou em trabalho de parto. A primeira filha nasceu, mas morreu logo em seguida. Minutos depois, a segunda bebê também veio ao mundo — e também morreu. Duas vidas encerradas antes mesmo de começarem, sob os olhos de uma empresa que, segundo a Justiça, falhou em cumprir o básico: garantir atendimento médico emergencial a uma gestante em sofrimento visível.

A BRF alegou, em sua defesa, que o parto ocorreu fora das dependências da fábrica e que a funcionária teria se recusado a receber atendimento. Disse ainda que não havia indícios de gravidez de risco e atribuiu a culpa à própria trabalhadora, sugerindo que o parto poderia ter durado entre oito e doze horas. Porém, o conjunto de provas, incluindo imagens de câmeras internas da própria empresa, desmentiu boa parte dessas alegações.

Testemunhas e documentos comprovaram que a mulher estava grávida de gêmeas, que o parto aconteceu na portaria do frigorífico — ou seja, dentro das instalações da BRF — e que o protocolo interno de atendimento emergencial simplesmente não foi acionado. O enfermeiro do setor confirmou em juízo que nenhum responsável — nem o líder, nem o supervisor, nem a secretária — acionou o SESMT, como determina a política da própria empresa. A técnica de saúde plantonista afirmou que sequer foi informada da situação. O prontuário médico da funcionária também continha registros relacionados à gravidez, embora a BRF só tenha apresentado o exame admissional.

Ao proferir a sentença, o juiz Fernando Galisteu foi categórico: “A autora pediu ajuda. Estava em sofrimento evidente e no oitavo mês de gestação de gêmeas. A empresa foi omissa e negligente ao não providenciar atendimento médico com a agilidade necessária”.

A Justiça do Trabalho condenou a BRF ao pagamento de R$ 150 mil por danos morais, além de todas as verbas rescisórias a que a trabalhadora tem direito: aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego. Também foi afastada a tentativa da empresa de enquadrar o caso como abandono de emprego, já que a funcionária não retornou após a licença-maternidade — licença, aliás, marcada pela ausência das filhas que nunca sobreviveram ao descaso.