Governo Lula: não quero jogar água no chope...

Só o clima de paz em que a gente vive hoje, sem ameaças diabólicas, já vale o voto no Lula

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PT

Por Mouzar Benedito geógrafo, na Fórum 

Começo lembrando uma coisa: o Lula não chegou à presidência num processo revolucionário, foi em uma eleição dentro das regras do jogo atuais. Então, nem passa pela minha cabeça esperar que ele tome atitudes revolucionárias, é bobagem.

Ele começou administrando bem isso: juntando forças contra o mal maior, a desgraça completa que é a turma do Bolsonaro. Muito bem. E temos que torcer e dar apoio para que a desgraça seja derrotada de vez.

Só o clima de paz em que a gente vive hoje, sem ameaças diabólicas, já vale o voto no Lula. E tem muita coisa sendo feita ou que a gente tem esperança que seja feita, como políticas sociais e ambientais, melhora na saúde, na educação, na cultura, no emprego...

Mas algumas coisas me deixam incomodado.

Foi uma semana gloriosa para o governo Lula: conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados a tal reforma tributária, com apoio de deputados do Centrão.

E já tem partidos do Centrão pensando em embarcar de vez no governo, deixando de ser oposição. Mas querem muita coisa em troca: dinheiro e poder. Ministérios importantes são cobiçados por eles.

Falando em ministérios e cobiça, Lula já cedeu ao União Brasil, do próprio Centrão, e demitiu Daniela Carneiro do Ministério do Turismo, para entregar a um preferido do União. Não sou defensor dela, mas acho ruim o motivo para sua demissão. E ainda há um entrave para o governo conseguir o apoio da turma que vai herdar o Ministério: querem tudo, todos os cargos, incluindo a Embratur, ocupada por Marcelo Freixo, que apoiou a candidatura de Lula. Pelo jeito, vão conseguir.

E há negociação com o PL, o PP... Em troca, saem mais pessoas aliadas desde o princípio para dar lugar a esse pessoal cuja cobiça não tem limites. É um tipo de gente que lembra uma velha máxima: você dá uma mão e eles querem o braço. Vou além, se der um braço, vão querer o outro, as pernas... até conseguirem a cabeça, o cérebro.

Será que minhas preocupações são exageradas? Vamos relembrar um pouco o passado recente.

A Petrobras e o esquema de corrupção

Quando estourou, a imprensa nadou de braçada contra o PT, com apoio da "Justiça" da Lava Jato, comandada por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. Mas vocês viram quem se apropriou de verdade da maior parte da grana? Eram pessoas do então PMDB, do PP... mas saíram do escândalo como se não tivessem nada a ver com isso. Todo o estigma de corrupto caiu sobre o PT, que arrumou milhões de desafetos por causa disso.

Quando o PT aceitou Michel Temer como vice de Dilma Rousseff, já pensei: vai dar merda! Mas meus amigos petistas diziam: "É para manter a governabilidade...". Tudo bem, tem que ter governabilidade, mas a que preço?

E para governar, entregaram aos "aliados" que não inspiravam nenhuma confiança parte importante do governo, como o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras. Como não sou nenhum cientista político, quando criticava isso, meus amigos petistas me tratavam com desdém: se não cedesse cargos onde eles poderiam se esbaldar, não teria como aprovar, por exemplo, a Bolsa Família. Era por uma boa causa. Sim, era. Não me convencia muito sobre o método, mas ficava aquela coisa: quem sou eu para contestar os sábios teóricos políticos?

O “Mensalão”

Mesma coisa. Quem se beneficiou? Vão buscar notícias e vejam. Mas a “culpa” ficou sendo exclusivamente do PT, enquanto, por exemplo, um beneficiário da trolha toda, Roberto Jefferson, saiu da história como quase herói. Só perdeu a aura porque alucinou e extrapolou na onda bolsonarista. 

Mas os amigos insistiam: era preciso, pra aprovar políticas sociais. Quem sou eu pra contestar?

"No PT não tinha corrupto"

Vamos voltar ainda mais no tempo, para 1994... Na época, o PT passou a aceitar dinheiro (que não era ilegal) de bancos e empreiteiras em suas campanhas eleitorais. E começou a trocar seu discurso socialista por um moralista, dizendo que "todos os partidos têm corruptos, exceto o PT".

Eu tentei conversar, mas quando se tratava de dinheiro de empresários para a campanha, por exemplo, diziam que todos os partidos usavam. Mas o PT não nasceu para ser diferente? Eles mencionavam os altos custos de uma campanha.

E não adiantava lembrar que sempre afirmamos que as empreiteiras que doavam dinheiro para um partido em campanha faziam isso esperando receber um valor multiplicado quando o partido vencesse. Elas dariam dinheiro ao PT sem esperar nada em troca? Eu me desfiliei.

Sobre a questão de não ter corruptos, cheguei a escrever no boletim interno do PT, o Linha Direta, que o partido não tinha corruptos porque não tinha dinheiro nem poder. Se chegasse ao governo, muitos corruptos de todos os lados se aproximariam e ocupariam cargos, corrompendo inclusive alguns petistas.

Mas eu não era nem sou um cientista político... Acabei arrumando "inimigos" por essa crítica, mas certamente eles não se lembram disso, né?

Enfim...

Os urubus estão de volta. Para aprovar qualquer coisa, é preciso ter dinheiro, é preciso ter cargos. Até mesmo a Codevasf, tão mal falada antes da eleição, eles mantêm, com a mesma estrutura, a mesma equipe, fazendo as mesmas coisas. E se a situação der errado, eles fingem que não têm nada a ver com isso, colocam toda a culpa no PT, e muitas pessoas acreditam. O que aconteceu anteriormente, quem causou todo o estrago, tudo é esquecido. "Culpa do PT".

O método deles é conhecido. Eles sugam o máximo que podem, fazem o que querem e o que não deveriam fazer, e na hora em que as coisas dão errado, eles abandonam o barco e colocam a culpa exclusivamente no PT, com o apoio da grande mídia que também suga o máximo que pode e se apresenta como moralista quando lhe convém.

A verdade é que nessas situações, a esquerda fica com o ônus, estigmatizada como corrupta e culpada, enquanto a direita fica com o bônus - o dinheiro e a certeza de que, independentemente do governo que vier, eles continuarão agindo livremente, com os bolsos cheios.

Sei que o sistema político brasileiro é extremamente difícil, com seus mais de trinta partidos, onde a maioria tem como único objetivo se beneficiar dos recursos públicos. Eles sabem como jogar o jogo, cobrando muito para o governo fazer muito pouco, e tudo continua como antes. Será que não há nada que possamos fazer? Devemos simplesmente deixar as coisas como estão e tentar administrar suas ambições para que sobre algo para os trabalhadores?

Aliás, durante o período em que acusavam o governo Lula de ser corrupto, um indivíduo tentou chamar o governo de ladrão e ouviu de um trabalhador rural, um boia-fria: "Todos os governos roubam. No governo Lula, pelo menos sobra um pouquinho para nós".

É uma avaliação interessante, mas seria ainda melhor se sobrasse muito mais para os trabalhadores, sem que o governo fosse rotulado de ladrão - seja merecido ou não.

Mais uma vez, reconheço que não sou um cientista político, mas como não possuo poder e não há muito mais que eu possa fazer, torço para que as coisas não se desintegrem novamente.