Governo declara 'fim de emergência' da pandemia que empurrou com a barriga

A única emergência do presidente é sua própria reeleição

Foto: Estadão
Marcelo Queiroga e Bolsonaro

 


Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no Facebook 

Foi no mínimo estranho escutar o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em rádio e TV, neste domingo (17), anunciando o fim da situação de emergência por conta da pandemia de covid-19. Afinal de contas, em nenhum momento o governo Jair Bolsonaro tratou a pandemia como uma emergência.

Não teve pressa alguma para comprar vacinas. Pelo contrário, ignorou durante meses as insistentes ofertas de imunizantes da Pfizer, que poderiam ter chegado ainda em 2020 e salvado a vida de milhares de brasileiros. O presidente também chegou até a dar um chega-pra-lá no então ministro da Saúde Eduardo Pazuello por declarar que compraria doses da Coronavac.

Em um dos lances mais sinistros da atual gestão, o presidente e o ministro Queiroga colocaram milhões de crianças em risco no final do ano passado. Criando uma falsa guerra pela "liberdade" de não se vacinar, Bolsonaro postergou o quanto pôde o início da imunização a partir dos cinco anos de idade, impondo inúteis consultas públicas, ameaçando a equipe da Anvisa, espalhando desinformação, atrasando a compra de doses.

Manaus ficou sem oxigênio nos hospitais em janeiro de 2021 e pacientes de covid-19 morreram sufocados. Suas famílias passaram a comprar cilindros individuais para tentar salvá-los, muitas vezes sem sucesso. O Palácio do Planalto, que, em uma emergência nacional, deveria monitorar de perto os insumos, não demonstrou pressa. Pelo contrário, enquanto os manauaras pediam oxigênio, o governo enviou cloroquina e ivermectina - remédios ineficazes para a doença.

O governo, seguindo a fina nata do negacionismo brasileiro, defendeu que a solução para a pandemia se daria através de uma imunidade de rebanho que viria a partir do momento em que a maioria da população contraísse o coronavírus. Foi alertado que isso seria, primeiro, impossível, por conta das mutações do vírus que permitem a reinfecção e, segundo, abominável, porque milhares de pessoas morreriam antes de chegar nessa imunidade. Questionado sobre isso, Bolsonaro disse que "a morte é o destino de todo mundo".

As medidas administrativas tomadas pelo governo federal só ocorreram depois de pressão popular, decisões judiciais ou iniciativas de outros governantes, ou seja, com atraso. Desde o fechamento de aeroportos, que foram a porta de entrada de entrada do coronavírus no Brasil, passando pela obrigatoriedade do uso de máscaras até a adoção de quarentenas e outras medidas de isolamentos social, as políticas vieram a passo de tartaruga. E trazendo com isso mortes e estendendo a crise.

Mesmo o auxílio emergencial, que salvou vidas e ajudou a economia, não foi iniciativa do governo. Pressionado, o ministro da Economia Paulo Guedes aceitou dar míseros R$ 200. O valor final, que chegou a R$ 1200 por família, foi graças à pressão do Congresso. Suspenso em 31 de dezembro de 2020, Bolsonaro demorou quatro meses para retornar com seu pagamento, deixando famílias pobres ao relento enquanto mais de 4,2 mil morriam por dia.

A Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional foi decretada pelo governo em 2020 para facilitar a compra de insumos de saúde, aplicar vacinas aprovadas em caráter emergencial pela Anvisa, permitir ações como o controle de fronteiras, entre outras medidas. Sem ela, o governo terá que publicar nova regra a fim de evitar o caos, uma vez que você não cancela uma pandemia por decreto.

Tudo para dar a Bolsonaro um discurso eleitoral de que ele venceu a covid-19, quando, na verdade, ele foi o principal aliado do coronavírus contra a população brasileira, tornando possível 662 mil mortos e outros tantos convivendo com sequelas. Todas as ações tomadas pelo presidente foram no sentido de evitar o impacto econômico da pandemia em sua popularidade.

O Brasil está vencendo o coronavírus apesar de Jair e não por causa dele. A única emergência do presidente é sua própria reeleição.