Do verde e amarelo ao azul e branco: bolsonarismo abandona a pátria para cortejar Israel

Na Marcha para Jesus 2025, bolsonarismo oficializa aliança com Israel

Por anos, a relação entre o bolsonarismo e o Estado de Israel parecia apenas um "afair" político-religioso. Alimentada por símbolos, gestos e uma retórica messiânica que aproximava o bolsonarismo da extrema-direita israelense, essa relação ganhou contornos de afinidade ideológica, mas mantinha, até então, um certo verniz diplomático. No entanto, a edição de 2025 da Marcha para Jesus, realizada ontem (19) em São Paulo, representou um divisor de águas: o namoro entre o bolsonarismo e Israel tornou-se explícito, oficializado diante de multidões, câmeras e bandeiras.

Bandeiras essas, aliás, que dominaram o cenário do evento — e não eram do Brasil. Vários apoiadores de Jair Bolsonaro ostentavam a bandeira de Israel com entusiasmo quase religioso, mais visível até do que os próprios símbolos cristãos que, teoricamente, são o núcleo do evento. Mas a imagem que selou o matrimônio político-ideológico foi a do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), envolto em uma bandeira israelense, caminhando entre os fiéis e os seguidores de Bolsonaro como se representasse um pacto espiritual entre São Paulo e Tel Aviv.

O gesto, longe de ser neutro ou meramente simbólico, precisa ser analisado à luz do contexto geopolítico atual. Israel atravessa um de seus momentos mais controversos desde a sua fundação. Após os ataques do Hamas em outubro de 2023, o governo de Benjamin Netanyahu iniciou uma ofensiva militar em Gaza que já deixou mais de 38 mil mortos, segundo a ONU — a imensa maioria, civis palestinos, incluindo milhares de crianças. As ações do governo israelense vêm sendo denunciadas internacionalmente como crimes de guerra. A Corte Internacional de Justiça (CIJ) e o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriram processos para apurar responsabilidades.

Nesse cenário, portar a bandeira de Israel não é um gesto inocente. Quando o governador do estado mais populoso do Brasil se enrola nela em um evento público e religioso, ele envia um recado ao mundo: de que, independentemente das denúncias de genocídio, há um apoio incondicional a Israel por parte de setores expressivos da política brasileira. E é aí que a relação entre bolsonarismo e Israel ultrapassa o limite do simbólico para se tornar um problema ético e político de grande escala.

A aproximação não é de hoje. Bolsonaro, durante seu governo, transferiu o escritório da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, desrespeitando o consenso diplomático internacional que reconhece Jerusalém Oriental como território palestino ocupado. Fez diversas visitas oficiais ao país, muitas delas acompanhadas de pastores evangélicos, e exaltou as Forças de Defesa de Israel como modelo para o Brasil. Em seu entorno, figuras como Damares Alves, Eduardo Bolsonaro e Magno Malta cultivaram relações próximas com lideranças sionistas, unindo pautas morais, armamentistas e ultraconservadoras.

Mas a Marcha para Jesus de 2025 representou algo além disso. Pela primeira vez, o bolsonarismo não apenas flertou com o Estado de Israel — ele o abraçou diante de milhões, sacramentando uma aliança que ignora os crimes contra os direitos humanos cometidos em Gaza e na Cisjordânia. Não se trata mais de afinidades políticas, mas de apoio aberto a um governo que vem sendo denunciado por organismos internacionais como autor de práticas sistemáticas de apartheid e limpeza étnica.

Diante desse cenário, é legítimo cobrar uma posição clara do governador Tarcísio de Freitas. Ele precisa responder à sociedade brasileira se seu gesto foi apenas de cortesia simbólica ou se representa um endosso às ações militares e repressivas do governo Netanyahu. Apoiar Israel neste momento não é equivalente a apoiar sua existência — é apoiar, objetivamente, um governo que utiliza bombardeios aéreos contra campos de refugiados e impede a entrada de ajuda humanitária em zonas de guerra.

O bolsonarismo, ao transformar a bandeira israelense em símbolo doméstico de sua ideologia, também precisa ser interpelado. Que projeto de país é esse que reverencia uma potência estrangeira mais do que os próprios símbolos nacionais? E que tipo de cristianismo é esse que silencia diante do sofrimento de crianças palestinas, mas se exalta diante de caças bombardeando bairros inteiros?

A união entre bolsonarismo e Israel, consolidada na Marcha para Jesus, revela mais do que afinidade religiosa: revela uma convergência entre projetos autoritários, militaristas e intolerantes. E, por isso mesmo, precisa ser exposta, debatida e contestada. Essa relação, agora escancarada, carrega também símbolo perigoso: a substituição da identidade nacional por uma devoção a outra bandeira. O bolsonarismo, que outrora monopolizou o verde e amarelo como expressão de patriotismo, agora o troca pelas cores azul e branca de Israel. É um gesto que revela uma contradição profunda — um movimento que se dizia nacionalista, mas que hoje parece mais engajado em defender interesses e símbolos estrangeiros do que em construir um projeto soberano para o Brasil. A pátria, no fim das contas, virou adereço descartável diante da guerra ideológica.

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