Do Pacífico ao BRICS: Brasil redesenha sua política comercial em meio a disputas globais

Brasil aposta na integração sul-americana para reduzir custos e ampliar mercados

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, defendeu nesta semana uma mudança de rumo na política comercial brasileira, com foco na ampliação das conexões logísticas e econômicas com países vizinhos. Em entrevista recente, Tebet alertou para o baixo nível de integração sul-americana e ressaltou o potencial inexplorado da região, tanto para o escoamento da produção nacional quanto para o fortalecimento da soberania econômica do continente.

“Temos um outro Brasil dentro da América do Sul”, disse a ministra. Segundo ela, apenas 15% da balança comercial brasileira é composta por transações com países da região, um número considerado “muito pequeno” diante do potencial de mais de 200 milhões de consumidores ao redor do país. Tebet comparou a situação com outras regiões do mundo, como Europa e Ásia, onde o comércio entre vizinhos representa a maior parte das trocas internacionais.

A proposta do governo federal envolve a criação de cinco rotas de integração logística com países sul-americanos, articuladas por meio de rodovias, ferrovias, alfândegas e estruturas portuárias. Duas dessas rotas devem ser entregues até o final de 2025. Entre elas está a “Rota 2”, que conectará o Brasil ao porto de Chancay, no Peru — infraestrutura construída por empresas chinesas. A nova conexão pode reduzir em até 10 mil quilômetros o trajeto marítimo entre Brasil e China, maior parceiro comercial do país. “Essa rota encurta caminhos, reduz custos e gera empregos”, afirmou a ministra.

Durante o Fórum Empresarial Brasil-Chile, realizado em Brasília, o secretário de Articulação Institucional do MPO, João Villaverde, reiterou a necessidade de ampliar o consumo interno dentro do continente. “Só 15% do que produzimos é consumido por nós mesmos. É um índice muito inferior ao da Europa (62%) e da Ásia (58%). Temos que mudar essa realidade”, disse. O evento marcou uma nova fase da cooperação bilateral com o Chile, parceiro estratégico do Brasil na construção de corredores bioceânicos.

Três novas rotas entre Brasil e Chile

Durante o encontro, foram apresentadas três rotas prioritárias que ligam o Brasil ao Pacífico por meio do território chileno. A Rota 3, chamada de Quadrante Rondon, interliga os estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso ao porto de Arica, no Chile. A Rota 4, batizada de Bioceânica de Capricórnio, atravessa o Mato Grosso do Sul até os portos de Iquique, Mejillones e Antofagasta. Já a Rota 5, recentemente redesenhada, conecta o sul do Brasil aos portos de San Antonio e Valparaíso.

Villaverde destacou que o modelo adotado pelo governo brasileiro prioriza o diálogo com estados, municípios e parceiros internacionais. “Escolhemos o caminho da escuta ativa, com participação efetiva dos entes federados e dos países vizinhos”, afirmou.

Rosario Navarro, presidente da Sociedade de Fomento Fabril do Chile (Sofofa), acrescentou que a integração física entre países sul-americanos não apenas reduz custos logísticos, mas também dinamiza economias locais e promove inclusão social. “Integração também é oportunidade para comunidades e empresas”, resumiu.

Comércio Brasil-Chile cresce e pode dobrar

Segundo Mario Cezar de Aguiar, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o comércio entre Brasil e Chile já cresceu 57% nos últimos dez anos, impulsionado pelo Acordo de Livre Comércio em vigor. O Chile é hoje o terceiro maior destino das exportações brasileiras na América Latina, atrás apenas de Argentina e México.

A ministra Tebet afirmou que a conclusão da Bioceânica de Capricórnio, prevista para 2026, pode dobrar o volume de trocas entre os dois países. Ela destacou que a carne brasileira exportada para o Chile, por exemplo, poderá ter uma redução de até 24% no preço final graças à nova rota. O mesmo deve ocorrer com pescados chilenos vendidos no mercado brasileiro.

Além dos benefícios comerciais, o governo brasileiro vê nas rotas bioceânicas uma oportunidade para estimular o turismo regional. O secretário nacional de Infraestrutura do Ministério do Turismo, Carlos Henrique Sobral, lembrou que a nova malha logística facilitará o acesso a destinos como o Pantanal, o Chaco e os Andes, promovendo roteiros integrados entre países do cone sul.

Rotas do PAC: infraestrutura como eixo estratégico

O projeto das Rotas de Integração Sul-Americana integra o Novo PAC e prevê a execução de 190 obras até 2028. Entre os investimentos estão 65 rodovias, 40 hidrovias, 35 aeroportos, 21 portos e 9 ferrovias. A Rota Amazônica (Rota 2) será a primeira a ser concluída, com entrega prevista para a COP30, em novembro deste ano, em Belém.

Guerra tarifária dos EUA e oportunidades no BRICS

Enquanto a integração sul-americana avança, o Brasil também busca diversificar suas parcerias comerciais no cenário global. O senador Irajá Abreu (PSD-TO), presidente do Grupo Parlamentar do BRICS, destacou que a atual política protecionista dos Estados Unidos pode abrir uma “janela de oportunidades” para o bloco. Em entrevista à Sputnik Brasil, o parlamentar afirmou que medidas adotadas pelo presidente Donald Trump, reeleito em 2024, estão afetando o comércio global e forçando países como o Brasil a reorientarem suas exportações.

“O Brasil precisa buscar alternativas aos mercados tradicionais”, disse. Ele citou a China como exemplo de parceiro estratégico — o país asiático já absorve cerca de 30% da produção brasileira de soja — e apontou que o BRICS ampliado, que agora inclui Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, pode oferecer alternativas sólidas para produtos como carne, minério e combustíveis.

BRICS debate infraestrutura no Senado

Entre os dias 3 e 5 de junho, o Senado Federal sediará o XI Fórum Parlamentar do BRICS. O evento deve reunir lideranças dos 11 países membros para discutir financiamento, logística e desenvolvimento sustentável. Entre os destaques, está o projeto da hidrovia do Arco Norte, que promete transformar o escoamento da soja produzida no norte do país, reduzindo custos e emissões de carbono. “É uma oportunidade para tornar nossa logística mais eficiente e menos dependente dos Estados Unidos e da Europa”, avaliou Irajá.

Uma nova estratégia internacional

Frente às incertezas globais, o Brasil busca se reposicionar por meio de uma maior integração regional e da ampliação dos laços com o Sul Global. Para o senador Irajá, o momento exige ousadia: “É tempo de virar o jogo. Precisamos aprofundar os laços com quem compartilha nossos desafios e construir uma nova etapa de protagonismo internacional”.