Nunca antes na história do Brasil uma primeira-dama foi/é tão atacada quanto a Janja. E o ataque vem de todos os lados, inclusive de setores da esquerda. E o motivo que une a todos parece ser o mesmo: Janja fala e dá opinião.
O caso mais recente envolve o encontro com o presidente da China, Xi Jinping, no qual Janja falou sobre os problemas em torno do TikTok e da falta de moderação da plataforma.
Mas o que mais intriga é a forma como tudo começou: uma fofoca, que foi replicada por um portal. “Janja criou climão”, “Esposa de Xi ficou indignada” e assim sucessivamente.
O presidente Lula precisou desmentir e relatar o que de fato aconteceu. Era uma conversa, e Janja falou e, pelo visto, mulheres não podem falar — principalmente a Janja.
A reação de parte da imprensa em torno do caso do TikTok foi algo imenso e violento. Canais dedicados ao telejornalismo gastaram horas e mais horas para enviar um recado direto: “Janja, pare de falar”.
Antes da Janja, quem também enfrentou semelhante fúria misógina foi a ex-presidente Dilma Rousseff que, seguindo o roteiro clássico, foi taxada de “intratável”, “louca”, “enfurecida” e assim por diante. Dilma também não podia falar.
Também não podemos esquecer que, logo no início do governo Lula, uma comentarista afirmou que Janja deveria se limitar “aos assuntos do quarto”. Puro suco da misoginia.
Mas, após horas e horas de ataques contra Janja por causa da história do TikTok, tal trama teve uma reviravolta: a plataforma entrou em contato com a Presidência da República e quer abrir diálogo. Janja estava certa, os detratores errados.
O fato é que os ataques contra Janja nos remetem à misoginia mais clássica de todas, que é tratar mulheres como figurantes, que devem ficar caladas — ou, como diz o bordão, “bela, recatada e do lar”... lembra como a imprensa se derretia por Marcela, a companheira do “ex-presidente” Michel Temer?
Eu, particularmente, adoro quando Janja quebra todos os protocolos, fala mesmo, expressa a sua ideia e causa revolta entre comentaristas e enfurece bolsonaristas… gosto principalmente quando Janja enfurece bolsonaristas.
O que me chama atenção nessa história é que nem a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, envolvida em uma série de histórias sinistras, nunca foi alvo de tamanha fúria por parte da imprensa e da oposição à época.
Nem mesmo quando Michelle Bolsonaro, em um dos atos na Avenida Paulista, atacou o Estado laico, ela foi alvo da fúria que é direcionada a Janja… isso também diz muito sobre quem pode e quem não pode falar, de quem deve e de quem não deve falar.
Os ataques contra Janja também me lembram dos ataques a que Marisa Letícia (1950–2017), que também falava, foi alvo — uma das maiores violências por parte da imprensa.
Mas, para minha felicidade — e ao que tudo indica — Janja vai continuar a falar, e deixou claro isso hoje, durante um evento:
“O diálogo constante, o acompanhamento responsável, a definição de limites e a responsabilização das plataformas digitais são medidas igualmente indispensáveis para a sua proteção. E aqui eu faço uma pausa para falar que em nenhum momento eu calarei a minha voz para falar sobre isso. Em nenhum momento, em nenhuma oportunidade. Não há protocolo que me faça calar, se eu tiver uma oportunidade de falar sobre isso com qualquer pessoa que seja, do maior grau ao menor grau, do mais alto nível a qualquer cidadão comum”, disse Janja.
Aliás, sabe quem se juntou a Janja na luta pela segurança de crianças e adolescentes nas redes sociais? A primeira-dama da França, Brigitte Macron.
Será que vão mandar a primeira-dama da França calar a boca também? Acho que não. O fato é que boa parte de nossa sociedade ainda não tolera mulheres — e outros personagens historicamente silenciados — que falem. Mas isso está mudando.
Janja, continue a falar, muito, e incomode bastante, por favor.