Por Ana Viriato, na Istoe
No Brasil, política é coisa de família e, por isso, a Esplanada dos Ministérios e o Congresso estampam a primazia dos clãs. A tática de infestar as urnas com o mesmo sobrenome ou de ceder o palanque a cônjuges — ou exs — perpetua-se há décadas e rende frutos: influência, dinheiro, viagens e regalias. Não são benesses com prazo de validade. Afinal, quanto mais tempo no poder, mais armas para se perpetuar nele. O entorno de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil e manda-chuva do Centrão, demonstra bem o quão conveniente pode ser transformar cargos eletivos em um bom negócio.
Ciro está licenciado do cargo de senador desde julho de 2021, mas não perdeu o controle sobre a cadeira. O assento está ocupado pela mãe e primeira suplente, Eliane. Neófita na política, a empresária não anda com desenvoltura pelo Salão Azul e tem um pífio desempenho legislativo: apresentou somente um projeto de lei em um ano. Não quer dizer, porém, que não saiba aproveitar o que o mandato lhe oferece de melhor. Dona de um patrimônio de R$ 3,5 milhões, Eliane já fez três viagens internacionais com “ajuda de custo” do Senado. Visitou Madri, Roma — ocasião em que deu uma esticada até o Vaticano — e, mais recentemente, Nova York. A peregrinação custou R$ 67,3 mil ao Senado entre passagens, seguro-viagem e diárias.
Em solo brasileiro, Eliane também não economiza. A mãe de Ciro Nogueira torrou, somente neste ano, R$ 123 mil da cota parlamentar com a locação de automóveis. Algumas notas fiscais chamam atenção. Ela já embolsou R$ 26,9 mil em restituição pela locação de um luxuoso Toyota Diamond SW4 Turbo, avaliado em R$ 400 mil, nos últimos dois meses. O ponto central, no entanto, não é o valor do SUV, mas a loja que teria cedido o carro. O recibo está em nome da Leleka Produções e Locações Eirelli, que tem capital social de somente R$ 150 mil. A empresa fica em Sousa, município do interior da Paraíba, a cerca de 750 km de Teresina, berço eleitoral da família Nogueira. No endereço inscrito no CNPJ, o letreiro indica o nome fantasia da empresa — ali, funciona a loja “A Útil Móveis”.
Antes de eleger a Leleka para a locação de carros no Nordeste, Eliane tinha contrato com a Luauto Rent a Car, empresa conhecida em Teresina e com capital social de R$ 2,8 milhões. Pelo acerto, vigente de janeiro a maio, ela alugava por R$ 15 mil mensais um SW4 mais simples, do ano 2018-2019. Em Brasília, apesar de ter um carro oficial à disposição, a senadora paga R$ 3,6 mil mensais por um Honda Civic da empresa Memories Eventos e Turismo, situada no Setor de Habitações Individuais Norte, para transitar.
Nas asas da FAB
Embora afastado do Senado, Ciro Nogueira não deixou de usar a máquina em seu favor. Com o uso de dinheiro público, o líder do Progressistas tem se dividido na ponte aérea Brasília/Piauí para cumprir os compromissos formais de ministro e dar conta do recado da campanha de seu apadrinhado político Silvio Mendes ao governo do Piauí — na chapa do candidato, Iracema Portella, ex-esposa de Ciro, concorre à Vice-Governadoria.
Em agosto, por exemplo, ele teve a passagem de São Paulo ao Piauí, por R$ 2,2 mil, custeada pelo governo. Oficialmente, o ministro desembarcou em Teresina no dia 12 do mês passado, uma sexta-feira, para participar do lançamento do programa “Caixa para Elas”. Mas, claro, esticou o final de semana em seu curral eleitoral, onde perambulou ao lado de aliados por municípios como Cristino Castro, Bom Jesus, Manuel Emídio, Parnaíba e Cocal, como estampam as redes sociais. “A esperança e o desejo de um Piauí melhor não está apenas no olhar de cada um dos mais de 100 prefeitos que compareceram à reunião desta segunda-feira, mas nos piauienses, de norte a sul, que enxergam a força de vontade desse grupo”, escreveu Ciro. Pouco após a agenda, voltou para Brasília nas asas de uma aeronave da Força Aérea Brasileira.
Não foi um caso isolado. Na última semana, Ciro reservou o pré-feriado do Sete de Setembro para a campanha. Na manhã do dia 5, uma segunda-feira, partiu logo cedo a Paranaíba, no litoral piauiense, para participar do lançamento das obras de construção de um complexo de radioterapia e prestigiar um voo inaugural da Azul Airlines. Os compromissos levaram só duas horas e 35 minutos. Logo depois, ele subiu em um avião da FAB rumo a Teresina, onde, mais uma vez, promoveu as candidaturas de Silvio Mendes e Iracema até terça-feira, véspera do Sete de Setembro.
Iracema, aliás, segue o exemplo. A deputada, herdeira de uma influente família de políticos do Piauí, usou a cota parlamentar da Câmara para financiar seu novo projeto político. Nesse ano, a congressista gastou R$ 50 mil da verba indenizatória na divulgação do mandato. O contrato firmado com a Midiapress Comunicação Digital aponta que o dinheiro financiaria a geração de conteúdo relativo aos feitos de Iracema no Congresso para as páginas dela no Facebook e no Instagram, de janeiro a março. Boa parte das postagens, porém, tem claro cunho eleitoral — levam, aliás, uma hashtag disseminada pela campanha de Silvio Mendes, a #MudaPiauí. Entre as publicações, estão pesquisas de opinião e vídeos de comícios da pré-campanha. “Vamos construir um Piauí diferente. Liberdade para sonhar e fazer acontecer”, diz Iracema, em um dos posts. Nada como o uso dos privilégios proporcionados pela máquina pública.