O CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, enviou uma carta de desculpas ao governo brasileiro após uma declaração falsa que colocou em dúvida a qualidade da carne do Mercosul, usada como justificativa para interromper as compras da região na França. A declaração gerou uma repercussão intensa no Brasil, incluindo boicotes por parte de produtores e reações contundentes de autoridades, como o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. A carta, obtida pelo NeoFeed, reafirma o compromisso do Carrefour com a agricultura brasileira e reconhece a alta qualidade da carne nacional.
A polêmica começou quando Bompard publicou em redes sociais que a subsidiária francesa do Carrefour priorizaria a compra de carne de produtores locais, suspendendo as aquisições de países do Mercosul, incluindo o Brasil. A reação foi imediata: associações do setor agropecuário brasileiro acusaram a rede de desrespeitar os produtores nacionais, e o boicote resultou em desabastecimento de lojas do Carrefour no Brasil.
O ministro Carlos Fávaro elogiou a postura dos produtores brasileiros, enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, anunciou a intenção de pautar um projeto de lei contra acordos com países que não sigam o mesmo rigor ambiental que o Brasil, em uma clara referência à França.
Pedido de desculpas
Na carta enviada ao ministro Carlos Fávaro, Alexandre Bompard afirmou que a comunicação do Carrefour França gerou “confusão” e pediu desculpas pelo impacto das declarações. Ele destacou a relação histórica da rede com o Brasil, onde o Carrefour conta com mais de 130 mil colaboradores e é um dos maiores investidores no setor agropecuário.
“Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas”, escreveu Bompard.
O documento foi entregue pelo embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, ao ministro da Agricultura e a assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segue abaixo a íntegra da carta enviada pelo CEO global do Carrefour:
Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Senhor Carlos Fávaro,
A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la.
O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil. Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos.
O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes. Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira. Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país.
Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil. Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas. O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos.
Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros. Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Alexandre Bompard
Diretor-Presidente do Grupo Carrefour
O jornalista Leonardo Sakamoto, lembrou em artigo no facebook, casos de racismo em que o Carrefour esteve envolvido. O jornalista escreveu: Brasil boicota Carrefour por gado, mas não quando a empresa tortura negros. Veja:
A política nacional está se desdobrando, nesta segunda (25), para defender o boicote de frigoríficos ao Carrefour no Brasil após o presidente mundial da rede anunciar um boicote de carne bovina do Mercosul na França. Ele queria fazer média com produtores franceses contrários ao acordo entre União Europeia e nosso bloco comercial. Quando a agropecuária tá em pauta, Brasília pede respostas duras e concretas, como fizeram o ministro da Agricultura Carlos Fávaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, entre outros. Mas quando a empresa comete uma sequência de abusos contra a população negra, não vemos o mesmo movimento por boicote puxado pela política. Sim, a carne vermelha realmente vale mais do que a negra no Brasil.
O caso mais famoso foi o de Beto Freitas, assassinado em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra, em 19 de novembro de 2020. Imobilizado, acabou sufocado e espancado até a morte no estacionamento por um segurança e um policial militar temporário. Um acordo milionário foi firmado em setembro de 2021 e a empresa prometeu mudar o comportamento em suas lojas.
Mas no dia 7 de abril de 2023, a professora negra Isabel Oliveira foi perseguida por um segurança enquanto fazia compras no Atacadão Parolin, em Curitiba, que pertence à rede francesa. Depois, retornou ao estabelecimento e tirou a roupa em forma de protesto, mostrando a frase que escreveu no próprio corpo: “Sou uma ameaça?”. Após o caso, o presidente Lula, afirmou, em reunião ministerial, que “o Carrefour cometeu mais um crime de racismo com uma cliente negra” e que “a gente não vai admitir o racismo que essa gente tenta impor ao Brasil”.
Mesmo após a promessa, um casal foi torturado e humilhado por tentar furtar leite em pó no Big Bom Preço, pertencente ao grupo Carrefour, do bairro São Cristóvão, em Salvador, no mês seguinte. O caso gerou comoção após um vídeo com as agressões e a justificativa de ambos, de que o produto era para alimentar a filha que passava fome, viralizar nas redes sociais.