“Cara a cara no STF: acareações entre bolsonaristas golpistas viram duelo de versões. Núcleo do golpe desunido!

As acareações serviram menos para elucidar e mais para escancarar o tamanho do racha entre os próprios golpistas

Braga Netto e Cid batem de frente: tensão, acusações e versões que não batem

A defesa dos principais réus da tentativa de golpe de Estado aposta todas as fichas em um trunfo de última hora: desmoralizar a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. A estratégia gira em torno de confrontos diretos — acareações — para expor supostas contradições nas declarações do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. Na manhã de terça-feira (24), a mais esperada dessas sessões aconteceu no Supremo Tribunal Federal (STF): de um lado, Cid, delator e personagem-chave; do outro, o general da reserva Walter Braga Netto, preso preventivamente e apontado como um dos articuladores da trama golpista.

O encontro, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, durou cerca de 1h50 e foi descrito por fontes presentes como tenso e ríspido. Braga Netto foi direto ao acusar Cid de mentir — não uma, mas duas vezes, em alto e bom som. Chamou o ex-ajudante de ordens de “mentiroso” e tentou desmontar, ponto a ponto, a versão que o coloca como financiador de uma operação para sequestrar e assassinar Moraes. Segundo Cid, o general lhe entregou dinheiro vivo dentro de uma caixa de vinho. Braga Netto negou veementemente e ironizou: “História de botequim.”

A acareação, embora pedida pela própria defesa do general, não saiu como o esperado. Segundo o advogado José Luis de Oliveira Lima, Cid passou todo o tempo cabisbaixo, sem reagir às acusações, mas também sem recuar em sua versão. Pior: mudou detalhes, trocando o local do repasse do dinheiro entre duas garagens e uma sala de ajudantes no Palácio da Alvorada. “Ele não tem prova de nada”, lamentou Lima, acusando o STF de cerceamento de defesa por negar o pedido de gravação em vídeo da sessão.

Torres x Freire Gomes: confronto frio, mas destruidor

Na sequência do dia, outra acareação terminou com saldo negativo para o campo bolsonarista. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, tentou se desvincular da minuta golpista encontrada em sua residência. No entanto, foi frontalmente desmentido pelo general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército.

Comedidamente, Freire Gomes confirmou que o documento em poder de Torres guardava "forte semelhança" com aquele apresentado por Bolsonaro em reunião com a cúpula militar no dia 7 de dezembro de 2022 — documento este que previa decretar estado de sítio e intervir na Justiça Eleitoral.

Torres, por sua vez, voltou a alegar que a minuta era “irrelevante” e que sequer sabia direito do conteúdo. A acareação desmoralizou essa versão. Freire Gomes fez questão de separar o que era conversa institucional do que era plano de ruptura democrática — e em qual desses cenários Torres estava inserido.

Mesmo tentando manter a compostura, a defesa de Torres sentiu o golpe. Seu advogado chegou a afirmar que o saldo do confronto foi “positivo”, mas os registros da sessão dizem o contrário. A própria ata do STF aponta que a minuta com Torres abordava os mesmos temas do plano discutido por Bolsonaro: estado de sítio e uso das Forças Armadas para inviabilizar a transição democrática.

Contradições explícitas, mas julgamento segue firme

Apesar do circo de versões contraditórias, a Procuradoria-Geral da República e ministros do STF avaliam que os confrontos não mudam o curso do processo. O conjunto probatório, incluindo trocas de mensagens, rastros financeiros e depoimentos militares, é robusto o suficiente para sustentar as acusações.

Mesmo juristas mais cautelosos consideram a condenação de Bolsonaro, Braga Netto, Cid, Torres e outros como questão de tempo. "Até setembro, Bolsonaro estará julgado. E os demais, provavelmente presos até outubro ou novembro", afirmou o criminalista Kakay.

As acareações serviram menos para elucidar e mais para escancarar o tamanho do racha entre os próprios golpistas. A disputa de versões revela um jogo em que cada um tenta salvar a própria pele, ainda que precise enterrar o outro no processo.