Bolsonaro vai cair, mas qual país virá depois?

O pensarpiauí disponibiliza o pensamento de duas importantes figuras deo Brasil: Luis Nassif e Roberto Requião

Foto: GGN
Que país virá depois da era Bolsonaro?

O pensarpiaui vai insistir na pauta dos Manifestos, das Frentes políticas e de propostas para o país. Bolsonaro amadureceu e vai cair, mas qual país virá depois? É preciso pensar, argumentar, propor. E a posição do pensarpiauí é unir-se a qualquer pessoa que assine propostas claras de rumos para o país. Evasivas, não!  

A seguir dois textos. Um do jornalista Luis Nassiff; outro de Roberto Requião, ex-governador do Paraná, que dão uma noção de como a discussão da união nacional deve acontecer. 

O pacto nacional, a Ponte para o Futuro, e a resistência de Lula, por Luis Nassif 

Vamos tentar colocar didaticamente:

A Lava Jato foi uma operação com clara conotação ideológica. Investiu contra o PT, não contra o PSDB. Quebrou as empreiteiras, não as instituições financeiras envolvidas em corrupção – como o BTG, com participação mais intensa que a própria Odebrecht. As empreiteiras eram as beneficiárias da visão desenvolvimentista de Dilma; as instituições beneficiárias da visão financeira de país. Foi esse viés político que determinou o destino de ambas as empresas. Os porta-vozes da Lava Jato sempre prestaram reverência ao mercado e à abertura total da economia.

O impeachment teve como objetivo não apenas tirar Dilma Rousseff, mas principalmente revogar os direitos previstos na Constituição de 1988. Michel Temer e Eduardo Cunha assumiram cavalgando a tal “Ponte para o Futuro”, com a missão principal de quebrar as pernas dos sindicatos. Antes do impeachment, acenou-se para a própria Dilma salvar o mandato endossando os princípios da Ponte. A Ponte foi o grande guarda-chuva divisor: quem se abrigou debaixo dela foi poupado; quem ficou de fora, se ensopou.

No Supremo Tribunal Federal (STF), os Ministros mais ideológicos – como Luis Roberto Barroso – empunharam a bandeira da financeirização selvagem e saíram rodando a baiana em palestras para empresas e instituições financeiras endossando as barbaridades estatísticas de Flávio Rocha. Ou seja, aceitaram os chefes do esquema político mais corrupto da época – Temer e Cunha – em nome da Ponte para o Futuro. Seguraram Cunha até que as reformas estivessem sob controle. Só então mandaram para a cadeia. A denúncia da JBS foi um acidente de percurso. Passado o momento, a releitura da mídia é que os diálogos gravados não indicavam intenção de crime, mesmo com a menção de Temer a seu intermediário, e o intermediário saindo do encontro com uma maleta de dinheiro. Foi o único caso que mereceu a indulgência do conterrâneo Luiz Edson Fachin.

Depois, endossaram a candidatura de Jair Bolsonaro, mediante o aval Paulo Guedes, da continuidade da desmontagem selvagem dos direitos sociais e trabalhistas.

Por tudo isso, qualquer iniciativa de pacto social tem que contemplar, se for politicamente honesta, os setores sociais e trabalhistas.

É evidente que mudanças no mercado de trabalho e nas formas de produção exigem uma revisão da legislação trabalhista e da própria função dos sindicatos. Assim como a questão da Previdência pública impõe-se não apenas na União, mas principalmente nos Estados.

Mas é evidente também que, com as tecnologias eliminadoras de emprego, tirar as centrais sindicais e as associações representativas dos funcionários públicos das discussões será um fator de desequilíbrio com profundas implicações sobre a paz social e o próprio mercado de consumo – como, aliás, ficou exposto de maneira dramática pela pandemia. Assim como ficou exposta a irracionalidade dos cortes indiscriminados de gastos públicos e da demonização generalizante do funcionário público. A Ponte para o Futuro foi de uma simplificação irresponsável.

Critique-se Lula pela dificuldade em se posicionar no atual jogo político e definir uma estratégia mais abrangente de resistência a Bolsonaro. Mas pretender que assine um cheque em branco para propostas genéricas de pacto social seria uma prova de ingenuidade inédita.

Para que o grande pacto se concretize, Rodrigo Maia precisaria dar provas robustas de que, qualquer proposta de reforma, tenha participação de sindicatos e movimentos sociais. E, do lado do PT e Lula, demonstrações de que não se furtarão a discutir reformas necessárias, modernizantes, mas sem perder o foco na proteção social e na garantia dos direitos fundamentais.

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Sempre a mesma coisa, mesma merda, sempre, por Roberto Requião 

Não me desculpo pela palavra pouco elegante no título. Não é a quarentena que me irrita. É a peculiaríssima propensão dos brasileiros -especialmente os que habitam o espaço político à esquerda- de recaírem sempre, e sempre na mesma esparrela que me tira do sério. 

Aproveitando os dias em casa para organizar arquivos, deu-se me à mão um texto que publiquei, em um dos jornais de Curitiba, no dia 18 de julho de 1984. Há 36 anos! Derrotada a emenda constitucional que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, discutia-se o que fazer. E aí se revelava o embuste tão costumeiro em nossa história.

No artigo, deplorava que, na sofreguidão de se buscar o próximo passo, sacassem o rançoso apelo “à união de todos”, mesmo que isso pudesse significar um passo atrás na luta para dar o golpe final no regime  militar. Enfim, propunha-se enfiar no mesmo bornal toda sorte de felinos; ou seja: uma frente sem propostas e sem princípios. Já uma outra vertente queria simplesmente  chutar o pau da barraca. 

Diante do impasse, eu perguntava e respondia: “Estamos, então,  sem saída? Não. Temos saídas ética e politicamente corretas”.  E lembrava os conceitos de Aristóteles de ato meio e atos extremos. 

No caso, o ato extremo de covardia era a conciliação com os conservadores, abrindo mão da possibilidade de vitória, por medo ou por conluio com a ditadura. O ato extremo de temeridade era a irresponsabilidade de se propor uma radicalização extemporânea, inconsequente. 

Já o ato meio significava avançar, consolidar o avanço, retomar a marcha e conquistar o próximo objetivo. Para tanto, eu propunha um programa mínimo, em torno do qual deveriam se reunir os brasileiros comprometidos com a soberania e o desenvolvimento nacional,  com a renegociação da dívida externa, com o direito dos trabalhadores, com uma política de emergência para a geração de empregos, com as liberdades democráticas, com a reforma tributária, com a reforma política e assim por diante.

Enfim, deixava claro naquele artigo de 36 anos atrás que uma frente sem projeto, sem princípios, sem um programa mínimo, sem uma clara linha econômica nacionalista, democrática e popular, não era uma frente. 

Assim como hoje a reunião de políticos frouxos, pusilânimes, disponíveis e desfrutáveis com um amontoado de oportunistas, com as madalenas hipoteticamente arrependidas, com os assassinos de reputações, com os ditos liberais, com os mercadores e rentistas,  com banqueiros e ex-banqueiros, com animadores de auditório, com ex-presidentes e ex-ministros que atentaram contra o Estado Nacional e alienaram a nossa soberania, não é uma frente. É uma súcia que, mais uma vez, se aproveita de uma situação dada para fazer com que tudo permaneça como sempre foi.

Há quem diga: não seja tão radical, nesse balaio tem muita gente boa, gente bem intencionada, ingênuos, mas puros de alma e de intenções.

Pode ser, conceda-se.  Mas, para que serve a história, então? Para que servem as experiências passadas? Ou seria a tal da ignorância córnea que impede se inculque na cabeça dos “bem intencionados” um mínimo de lógica e racionalidade? 

Sob que guarda-chuva os defensores dessa  frente ampla, irrestrita  querem abrigar os brasileiros? Sob o guarda-chuva da defesa da democracia. 

Que democracia? A democracia do mercado? A democracia da prevalência do capital financeiro sobre os interesses nacionais e populares, sobre a produção, o emprego, o salário, os direitos trabalhistas e a previdência social? 

Pergunto, sufocado pela angústia de ver mais uma vez  desperdiçada uma oportunidade histórica, pergunto: o ministro da economia de vocês, em um hipotético governo de união nacional, seria o Guedes mesmo? Ou, para não escandalizar tanto os seus acompanhantes que se dizem à esquerda, vocês se contentariam com o Armínio Fraga, o Lara Rezende, alguém do Itaú ou do Bradesco?    

Precisamos de propostas, não de um discurso vazio repleto de assinaturas. Precisamos de  um projeto nacional, que se comprometa com um programa mínimo, como este e que promova:

*no campo econômico, um  câmbio competitivo e controlado, uma nova política monetária que traga os juros aos níveis internacionais e a troca da lógica da atração da poupança externa pela enorme poupança interna, que será liberada pela conversão da dívida pública em investimentos; 

*no campo trabalhista,  a promoção constante do fator trabalho no processo produtivo, através de uma política que valorize o emprego, o salário mínimo e as relações trabalhistas;

*no campo educacional, a construção de um sistema educacional que garanta, no mínimo, uma década e meia de bancos escolares à população, a reformulação de currículos, a valorização do magistério e o fomento à pesquisa científica;

*no campo fundiário, a elaboração de um plano de ocupação do território, que valorize a agricultura  e preserve o meio ambiente e envolva desde ações de ordenamento territorial até políticas de ocupação dos espaços;

*no campo da  infraestrutura, o planejamento de longo prazo e a elaboração detalhada de projetos de engenharia; 

*no campo industrial, a implantação dos setores tecnológicos de ponta, lembrando que o mundo pós pandemia exigirá autonomia industrial em quatro complexos produtivos: agroindústria, energia,  saúde e defesa, para ser realmente um país soberano; 

*no campo externo, uma estratégia geopolítica que preserve a nossa  soberania e  ações diplomáticas que afirmem nossa liderança no mundo latino; 

*no campo da cultura e da arte,  a retomada,  a renovação e a ampliação de programas de apoio e incentivo ao setor, assim  como o resgate e o fortalecimento das estruturas pública  que lhe dão suporte. A cultura, como o cimento da nacionalidade, a linha que nos une, eleva e promove, é tão essencial quanto a economia e a política;

*combate à corrupção como política Estado, implacável, mas justa; que tenha como preceitos a defesa da soberania nacional, a garantia dos direitos e interesses dos brasileiros;

*referendo revogatório para submeter à decisão dos brasileiros todas as medidas atentatórias à soberania nacional e aos direitos dos trabalhadores tomadas desde o governo produto do golpe de 2015/2016. 

Em síntese, nossa missão é construir um projeto nacional que dê ao povo brasileiro emprego, educação, saúde, segurança, cultura, uma boa moradia provida de água, esgoto, energia e dos meios modernos de convivência social e não um documento vazio que fala em defender o indefensável.

Não queremos uma frente de assinaturas em um documento oco de ideais e propostas. Não queremos uma frente que, de tão elástica, liquefaz-se pela sua insubstância.

É claro que devemos enfrentar os fascistas, os milicianos, essa horda de insensatos que sonha com uma ditadura cívico-militar. É claro. Mas, na verdade,  parte dos que lançam a ideia da união nacional pela democracia criticam Bolsonaro, filhos e os celerados que os cercam não pela agenda econômica,  política  e social  que executam. E sim pelos maus modos à mesa, pelos arrotos e palavrões. Não se opõem ao reinado de Mamon,  defendem a PEC dos Gastos, as reformas trabalhista e previdenciária, as privatizações, o arrocho salarial, a criminalização dos sindicatos e dos movimentos sociais, a entrega do petróleo, a abdicação da soberania nacional.

Alguns dos pressupostos para a formação de uma frente nacionalista, democrática e popular, estão aqui. Lanço-os para o debate. A organização e mobilização de uma frente com essas características, reunindo partidos, sindicatos, associações profissionais, igrejas, entidades estudantis,  universidades, personalidades da vida política e das ciências, intelectuais e acadêmicos deve-se constituir em um sólido muro contra o avanço antidemocrático. 

Não  queremos assinaturas, manifestos ou proclamações.  Queremos ação. 

Quem se habilita?