Bolsonaro põe país em risco ao atacar vacina obrigatória só para animar fãs

Jair Bolsonaro defendeu que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina"

Foto: Exame
Bolsonaro e suas polêmicas

 

Por Leonardo Sakamoto, no Facebook

Jair Bolsonaro defendeu que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina" nesta segunda-feira (1). Abre, dessa forma, uma nova fase na guerra política em que transformou a saúde pública brasileira desde o início da pandemia. Obrigatoriedade de vacina não é invadir casas como no passado - o próprio governo já condiciona o pagamento do Bolsa Família à imunização de crianças. O presidente quer, na verdade, inflamar os fãs radicais para reforçar o vínculo com quem protege seu mandato.

Esse discurso soa como música aos ouvidos de um naco de seus seguidores que acredita que a negação à vacinação coletiva é uma forma de resistir ao "Estado opressor". E a um outro grupo que acha que a vacina serve para inocula-los com chips para serem rastreados e controlados a partir de torres de celular 5G chinesas. Uma conspiração com a participação de bilionários, humoristas, Illuminatis, cavaleiros templários e aliens. Sem contar grupos que acreditam que vacinas são inúteis e servem apenas para enriquecer a indústria farmacêutica.

Quantos estes são? Uma minoria, mas que não é desprezível. De acordo com o Datafolha, em agosto, 9% não tomariam uma vacina contra o coronavírus. Só para efeito de comparação: 7% dos ouvidos pelo instituto em outra pesquisa, em julho do ano passado, afirmam que a Terra é plana. Os números são menores que o montante de bolsonarismo-raiz, que está com o presidente para o que der e vier, que é de 12%.

Perceba, contudo, que Bolsonaro não veio dizer que "ninguém pode obrigar ninguém a pagar impostos". Impostos, esse instrumento do tal Estado opressor contra a liberdade do indivíduo. Ou que "ninguém pode obrigar ninguém a prestar serviço militar obrigatório" - a apesar da falta de sentido que serviço militar obrigatório faça hoje.

Mas claro que não falaria. Primeiro porque, se fizesse isso, seria devorado em poucos minutos em Brasília. Além disso, nem o mais inocente de seus sócios ultraliberais acredita mais que, no íntimo, sua visão de país seja de um Estado mínimo. Pelo contrário, seu governo pode não ser bom de política de saúde, de emprego, de educação, de moradia, de transporte, de cultura, de emprego... mas é craque em monitorar cidadãos e produzir dossiês.

Quando se fala em obrigatoriedade da vacina, isso não significa invadir casas e retirar cidadãos à força, picando-os com agulhas, como acontecia há mais de cem anos. Mas restringir acesso a determinados direitos, por exemplo. O próprio Ministério da Cidadania afirma que manter a vacinação das crianças em dia é condicionante para continuar recebendo o Bolsa Família.

A questão é outra. Bolsonaro critica a obrigatoriedade da vacina para causar barulho e inflamar milícias ultraconservadoras e anticiência a fim de reforçar seu vínculo com elas - até aqui, elas têm garantido proteção a seu mandato. E como, nesse contexto, quanto mais ruído melhor, nega-se a estabelecer um diálogo honesto e claro com a população.

Ironicamente, o próprio governo Bolsonaro teve a iniciativa de um projeto de lei para permitir a autoridades que determinem vacinação compulsória, da mesma forma que possam obrigar a realização de exames médicos, testes, coletas de amostrar e tratamentos médicos sobre a covid.

Conforme detalhou o UOL Comprova, serviço de checagem do UOL para desinformação, a lei a 13.979, de 2020, resultado desse projeto, foi sancionada por Jair Messias e também assinada pelos então ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Justiça, Sergio Moro.

Ou seja, Bolsonaro contradiz Bolsonaro. Não é descuido, mas parte de uma estratégia de comunicação. Fala para públicos diferentes com mensagens diferentes. Transporta o comportamento de comunicação microsegmentada das redes sociais para a vida offline.

Leia o texto na íntegra na coluna de Leonardo Sakamoto: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/09/02/bolsonaro-ataca-a-obrigatoriedade-da-vacina-so-para-inflamar-suas-milicias.htm