Bolsonaro pede que tomemos banho frio para combater a crise que ele criou

Tudo se deve a má gestão do seu governo, que ignorou o impacto das mudanças climáticas na produção de energia

Foto: Correio Braziliense
Jair Bolsonaro


Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no Facebook 

Jair Bolsonaro sugeriu, nesta quinta (23), que a população tome banhos frios, evite elevadores e apague as luzes para ajudar na crise elétrica. Ironicamente, a crise não se deve apenas a uma grave seca pontual, mas à má gestão do seu governo, que ignorou o impacto das mudanças climáticas na produção de energia.

O Brasil não poupou os reservatórios das hidrelétricas para um momento crítico. Tal como um motorista que enche o tanque apenas pela metade e encontra um trecho longo de estrada sem postos. Na reserva, sua frio para conseguir chegar ao outro lado sem uma pane.

Em um evento on-line realizado pelos jornais O Globo e Valor Econômico, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (NOS), Luiz Carlos Ciocchi, afirmou que o Brasil deve evitar o racionamento de energia entre 2021 e 2022. Mas que existe a possibilidade de "problemas de pico da demanda em outubro e novembro".

Traduzindo, há chance de apagão - palavra que relembra a crise hídrica do governo Fernando Henrique, que contribuiu para que ele não elegesse um sucessor. E, talvez por isso, muita gente cisme em não pronunciá-la ou escrevê-la.

Chance é uma palavra por demais otimista para o momento em que estamos, a bem da verdade. Uma nota técnica do próprio ONS, publicada em 25 de agosto, avaliando a situação do Sistema Interligado Nacional (SIN), aponta que não teremos energia para chegar incólumes até dezembro.

Não é que vamos ficar no escuro por dias ou semanas, mas isso aponta que o sistema se mostra incapaz de atender à demanda em momentos de pico, podendo ter que desligar uma parte da rede ou a rede inteira para evitar problemas mais graves. Vale lembrar que os reservatórios não precisam estar secos para isso acontecer, uma vez que quanto mais baixo o nível, menor o rendimento das usinas.

Ressalte-se que governos anteriores também não deram ouvidos a cientistas, ambientalistas e especialistas que avisavam que o regime hídrico estava se alterando e que a aposta em hidrelétricas diante da queda na vazão dos rios, além dos impactos sociais e ambientais, não era uma boa ideia.

Não é à toa que o presidente venha a público pedir para a população tomar banho frio. Considerando que é difícil tirar da cartola gigawatts de energia nova, a saída é fazer com que os consumidores usem menos.

Se pedidos como esse são péssimos para a popularidade dele junto ao povo (ele já é reprovado por mais da metade da população nas pesquisas Datafolha e Ipec) e para a retomada da economia (que precisa de energia para ocupar a capacidade ociosa e voltar a crescer), a imagem de apagões queimando geladeiras e computadores será ainda pior.

Em tempo: Para evitar que o negacionismo da atual gestão caia no esquecimento, vale lembrar uma declaração do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dada no Congresso Nacional em 30 de maio de 2019. Ele afirmou que o aumento da média da temperatura global ocorreu porque estações de medição de temperatura que estavam no "mato" hoje estariam no "asfalto". Nada sobre a emissão de gases de efeito estufa pelo ser humano. Hoje, temos um novo chanceler, Carlos França. Ele não menosprezou a questão das mudanças climáticas. A curtição dele, ao que tudo indica, é fazer arminha com os dedos, apontando para manifestantes, em meio à Assembleia Geral das Nações Unidas.