Bolsonaro, especialista em infectologia pela Universidade do WhatsApp

O depoimento da "Capitã Cloroquina" foi mais um capítulo do grande laboratório de realidade paralela que Jair Bolsonaro transformou o Brasil

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Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no Facebook

O depoimento da pediatra Mayra Pinheiro, a "Capitã Cloroquina", foi mais um capítulo do grande laboratório de realidade paralela que Jair Bolsonaro transformou o Brasil. Um lugar onde aquilo que faz mal é louvado e o que salva é crucificado.

Senadores governistas tentaram vender a tese de que negacionismo é negar a eficácia da cloroquina e da ivermectina no tratamento da covid-19, apesar deles serem comprovadamente inúteis para esse fim. Ambos vem sendo promovidos por Jair Bolsonaro, médico com especialização em infectologia pela Universidade do WhatsApp.

O doutor não se importa se brasileiros vivam ou morram com sua receita, apenas se eles voltarão às ruas enganados pela promessa do tratamento precoce, barato e rápido. Para ele, vidas são um detalhe desprezível na longa estrada de sua reeleição.

O discurso encontrou terreno fértil no depoimento da Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, que se agarra de forma religiosa à pequenina parcela de estudos com baixa credibilidade que ainda defende o uso desses medicamentos contra o coronavírus.

Há praticamente um consenso científico de que os produtos são ótimos para malária, lúpus ou vermes, mas não funcionam para pacientes com covid-19.

A questão, contudo, não é a opinião dela como médica sobre a cloroquina, mas o Ministério da Saúde ter adotado a disseminação de um medicamento sem eficácia como política pública. E enquanto Manaus sufocava por falta de oxigênio hospitalar, o governo oferecia cloroquina para a cidade com a ajuda dela. Se o povo quer ar, que tome kit covid.

Essa inversão do que é certo e errado defendida pelos senadores governistas na CPI está alinhada com aquela para a qual o presidente da República vem batendo bumbo nas últimas semanas.

Nas aglomerações causadas pelos comícios eleitorais que organizou no Mato Grosso do Sul, no Maranhão e no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro afirmou que as medidas de isolamento social para reduzir a propagação do coronavírus "não têm comprovação científica". Sim, é chocante, eu sei, mas é isso mesmo que você leu.

Entendo a cabeça do cidadão que é contrário a quarentenas e lockdowns, mas que tem noção de que essa é uma escolha que pode levar a mortes. Ele faz um cálculo racional, do qual discordo, e pondera entre uma coisa e outra. O que Bolsonaro propõe aqui é outra coisa, a erradicação de qualquer racionalidade no debate público. O problema é que, como divulgou o Datafolha em 15 de maio, 14% da população acredita sempre no que ele diz.

Se agem como rebanho, acreditando que a notícia de que o isolamento social salvou neozelandeses, australianos, entre outros, é uma grande fake news, imagine diante da teoria conspiratória de que grandes indústrias farmacêuticas não querem que as pessoas tomem cloroquina porque pretendem vender remédios caros, teoria essa que circulou hoje na CPI.

O fato é que sua estratégia de promover a disseminação rápida de um vírus mortal para garantir imunidade de rebanho e fazer com que a pereba pare de circular é que não tem comprovação científica. A sua tentativa de promover remédios sem eficácia a "elixires mágicos" para que trabalhadores voltem ao serviço e ele não corra o risco de ter a reeleição prejudicada é que não tem comprovação científica.

Contudo, qual a validade de fatos no Brasil de Bolsonaro?