A violência política

Com 214 casos em 2022, violência política cresceu 335% no Brasil em três anos.

Foto: Reprodução/cidade verde/Joedson Alves
Fabiano Leitão e o momento que sofreu violência política ao se manifestar contra o governo Bolsonaro

O número de casos de violência contra lideranças políticas e militantes, como o assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda, já é maior na primeira metade deste ano do que no mesmo período do último ciclo eleitoral, o pleito municipal de 2020.

O petista comemorava o seu aniversário com a temática Lula, ex-presidente e pré-candidato do PT à Presidência na eleição de outubro. O petista foi morto a tiros pelo policial penal Jorge Guaranho, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) -- ele também foi baleado e segue internado.

Com 214 casos em 2022, violência política cresceu 335% no Brasil em três anos. A constatação é do Observatório da Violência Política e Eleitoral, formado por pesquisadores do Giel (Grupo de Investigação Eleitoral) da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), divulgado pelo Folha de S.Paulo.

Considerando-se os primeiros seis meses do ano, em 2020, ano de eleição municipal, foram registrados 174 casos e, em 2022, 214, um aumento de 23%.

No período mais recente analisado, ou seja, de abril a junho, o tipo de violência mais frequente foi ameaça, com 37 casos (36,6%), seguida de agressão, com 27 casos (26,7%), e homicídios, com 19 casos (18,8%). Houve ainda nove atentados (8,9% do total de ocorrências), cinco homicídios de familiares (5%), dois sequestros (2%) e dois sequestros de familiares (2%).

Sobre o crescimento da violência política neste ano de 2022, o pensarpiauí conversou com Fabiano Leitão, militante e trompetista conhecido nacionalmente.

No dia 10 de agosto de 2021, Fabiano Leitão foi detido na praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), depois de ser impedido de se manifestar durante um desfile militar. Ele sofreu violência e repressão política e foi liberado após assinar termo circunstancial.

Foto: Foto: Evaristo Sa/AFP
Fabiano sendo imobilizado por militares durante desfile

Foto: Reprodução/Joedson Alves
Fabiano chegou a ser preso e teve seu trompete quebrado

  

Fabiano é conhecido por tocar seu trompete em locais públicos com a música de campanha do ex-presidente Lula em 2003, também durante todo o período em que Lula ficou preso na Polícia Federal, em Curitiba (PR), e em manifestações de entidades e partidos progressistas.

Foto: Reprodução/metropoles 
Fabiano Leitão e Lula

O militante deu sua opinião sobre a violência política nos tempos atuais e contou um pouco um pouco da sua história.

Confira:

pensarpiauí- Os casos de violência política sempre existiram, mas com menor frequência, o que pode ter causado esse crescimento de intolerância e da violência nos últimos tempos?

Fabiano- O avanço da extrema direita no mundo. Não há dúvida que o discurso de ódio explodiu no mundo inteiro, potencializado pelas redes sociais. Esse povo se organizou e naturalizou o discurso de ódio. É isso é perigoso! Infelizmente, é um fato que o ódio dá engajamento nas redes, é só notar a quantidade de seguidores de quem usa da rede social para propagar esse discurso.

Os algoritmos explodem e o engajamento gera lucro. Ódio + Engajamento= Lucro. Essa é uma tática da comunicação bolsonarista que as redes sociais amam. 

pensarpiauí- Você foi vítima de violência política nos tempos de governo Bolsonaro. Como foi a situação que você vivenciou?

Fabiano- Fui, sou e serei. O tanto que aperreamos o capiroto não era para menos!

Fui preso duas vezes no Governo Bolsonaro por tocar trompete e ele deve se incomodar muito. A primeira vez foi quando ele recebeu o  ex-presidente da Argentina no Brasil, onde fiquei tocando uma música da esquerda argentina enquanto o Maurício Macri almoçava com Bolsonaro. A segunda vez, eu, o professor Wesley e a companheira Catarina, paramos os tanques da Marinha quando Bolsonaro quis ameaçar o Congresso Nacional no dia da votação do voto impresso naquela famosa e vexatória tanquiciata. Nesse dia, além de me prenderem, quebraram o meu trompete, achando que iam imobilizar a militância musical que fazemos. O tiro saiu pela culatra. A militância se juntou em uma vaquinha e compramos dois trompetes e, hoje, eu tenho três. E continuo aperreando o capiroto! 

pensarpiauí- Na sua opinião, a liberação de porte de armas e o incentivo ao uso delas pelo governo federal também pode ter sido um fator determinante para esse aumento? 

Fabiano- Sim! O discurso de ódio, potencializado pela acesso facilitado às armas, a violência política que eles pregam, ajudam que o cenário se torne mais violento. Porém, isso também é uma tática de impor o medo. Não caio nessa! 

Na verdade, estudo muito isso. O nome dessa tática é “espiral do silêncio”, da escritora e cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Eles usam isso para nos paralisar. E o curioso é que no livro da Elisabeth cita Olavo de Carvalho como um dos maiores conhecedores da espiral do silêncio. Na página 13 inclusive. Tudo é uma tática!

O medo paralisa e, por isso, tocamos o trompete bem alto para encorajar o nosso povo a fazer a luta diária por direitos, por dignidade. Com isso quebramos a espiral do silêncio. 

pensarpiauí- Pela sua experiência como militante, esta campanha de 2022 pode ser uma das mais violentas?

Fabiano- Infelizmente será. Isso é um fato! A comunicação bolsonarista age dessa forma. Instigando seus militantes a usar a violência constantemente. Naturalizaram a violência, desumanizaram os adversários políticos. Isso lembra muito a comunicação nazista que o Joseph Goebbels fazia. Desumanizaram os judeus e, assim, ninguém se chocava quando um judeu era assassinado. Eles desumanizam tudo. As vítimas da Covid, as pessoas passando fome, os petistas, o presidente Lula. É isso! 

Com essa comunicação você vai criando monstros insensíveis que acham natural neutralizar o “inimigo” em uma festa de 50 anos com sua família. Agora tem um recado que eu quero deixar para nossa militância: Essas eleições serão as mais importantes da nossa história. Não iremos recuar nenhum milímetro. Aliás, vamos avançar! Nosso povo já sofreu demais. Já morreu demais. Ou lutamos ou o nosso povo irá morrer. Então, a melhor forma de homenagear o querido companheiro Marcelo Arruda é lutarmos cada vez mais, com amor, com afeto, mas também encorajando cada companheiro e companheira.

Como diz o poeta Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.