A vida secreta dos padres gays: livro expõe Igreja Católica

Em A Vida Secreta dos Padres Gays, Brendo Silva parte das próprias experiências para falar da homossexualidade dentro da Igreja Católica

A presença discreta, porém expressiva, de homens gays em ordens e congregações católicas expõe uma das maiores contradições de uma das instituições mais antigas do mundo. Embora a Igreja Católica historicamente adote uma postura conservadora em relação à comunidade LGBTQIAP+, sua estrutura interna é composta por membros que, em grande parte, vivem realidades que contradizem essas diretrizes. É isso que revela o livro A Vida Secreta dos Padres Gays — Sexualidade e Poder no Coração da Igreja (Matrix Editora), escrito por Brendo Silva, especialista em sexualidade e religião, além de ex-seminarista.

Com uma análise profunda sobre um tabu amplamente conhecido nos bastidores eclesiásticos, mas raramente abordado publicamente, o livro compartilha as vivências pessoais de Brendo e examina a relação da Igreja Católica com a sexualidade de seus membros. Silva começou a perceber essa ambiguidade ainda na infância, quando atuava como coroinha e observava que muitos de seus colegas eram gays. A impressão se repetiu durante sua trajetória no seminário, onde ele passou quatro anos. No livro, o autor revela que, durante sua experiência no seminário, pelo menos oito dos 12 seminaristas de sua turma mantinham relacionamentos com outros homens.

"Era uma situação muito banal e corriqueira. Não é novidade dentro da Igreja que isso exista. Só não é falado, é tabu", afirma Silva, ressaltando a forma silenciosa como a homossexualidade é vivida no seio da instituição.

De acordo com Brendo, dentro da Igreja Católica coexistem diversos grupos ideológicos que lidam com a homossexualidade de maneira diferente. Em seminários mais progressistas, por exemplo, os seminaristas têm certa liberdade para viver sua sexualidade, desde que seja feita com discrição. A principal orientação é evitar qualquer "escândalo", ou seja, evitar que a comunidade tome conhecimento da vida afetiva dos seminaristas. Em seminários mais conservadores, no entanto, apesar de ser composta em sua maioria por homossexuais, há uma repressão intensa à sexualidade. Silva compartilha sua experiência pessoal em um seminário carismático, onde foi submetido ao que ele chama de "tratamento de cura gay", um processo de repressão que, ironicamente, era conduzido por outros gays.

O corporativismo dentro da Igreja também é apontado por Silva como um fator que contribui para a manutenção do silêncio sobre essas questões. "Uma denúncia de má conduta dificilmente é levada adiante", diz o autor, sugerindo que muitos superiores hierárquicos compartilham da mesma vida dupla. "O sistema é corrompido e imoral. No púlpito, prega-se uma coisa que na prática quase nunca é vivida", analisa.

Além do corporativismo, Brendo Silva argumenta que a acolhida de homens gays na Igreja também se deve às contribuições essenciais que esses clérigos oferecem à instituição. Segundo ele, padres gays são fundamentais para a manutenção da liturgia, da arte sacra, dos estudos teológicos e da organização interna da Igreja. "Sem gays, a Igreja Católica se descaracterizaria. A estética, a música, a arte sacra, os estudos… Como a Igreja existiria sem padres gays? É praticamente impossível imaginar", escreve o autor. Ele também sugere que a ambiguidade na relação da Igreja com a sexualidade masculina contribui para evitar um êxodo em massa de religiosos.

O livro traz, ainda, depoimentos de 16 homens — gays e heterossexuais — que passaram ou ainda estão em seminários, conventos e casas paroquiais. Esses relatos revelam como a homossexualidade permeia o cotidiano da Igreja, sendo vivida de maneiras distintas, que vão desde a repressão até a exposição aberta.

Brendo Silva, que esteve na Igreja Católica dos 14 aos 21 anos, conta que decidiu deixar o seminário quando percebeu que a vida dupla, vivida por quase todos os padres e seminaristas com quem convivia, já não fazia mais sentido para ele. "Vivia numa eterna crise entre discurso e prática. Além disso, se você não 'entra' nesse sistema, você pode ser perseguido. Era uma vida que estava perdendo o sentido", afirma. Para ele, a publicação de seu livro é uma maneira de dar voz a outros padres e seminaristas gays, buscando que a Igreja os trate com mais humanidade.

Em um tom provocativo, Silva questiona: "A Igreja precisa ser curada de sua própria homofobia, de seu auto-ódio. Ela é a instituição que mais pauta a moral da sociedade, mas quando a sociedade vai pautar a sexualidade da Igreja?"