A Lei Anticrime surge num contexto de tensão política e social no Brasil

Análise constitucional da prisão antes do trânsito em julgado proposta pela Lei Anticrime.

Foto: IBCCrim

Por Yamona Mara da Silva Gaspar, estudante de Direito

O Brasil é o único país da América Latina a ter um Código de Processo Penal feito em 1941, onde ainda vivíamos um período ditatorial. Apesar das seis tentativas frustradas de reformas nesse Código, foi com a Lei Anticrime que, enfim, houveram mudanças. A Lei Anticrime surgiu em um contexto de grande tensão política e social vivida pelo Brasil que envolveu escândalos de corrupção de diversos políticos e empresários conhecidos e, ainda, um cenário também marcado pelo pós-golpe ocorrido em 2016 que destituiu do cargo de presidência Dilma Roussef.

A mídia teve um papel importante em toda a popularização deste (então) projeto de lei, que logo “conquistou” aprovação popular. A Lei Anticrime trouxe consigo a relativização de princípios constitucionais, principalmente o Princípio da Ampla Defesa e da Presunção de Inocência, além disso, também trouxe à tona a prisão antes do trânsito em julgado. O Princípio da Ampla Defesa está previsto no artigo 5° inciso LV da Constituição Federal e define que a ampla defesa é um direito constitucional conferido ao acusado, para que o mesmo possa se defender, sem qualquer espécie de impedimento de seus direitos constitucionais.

Já o Princípio da Presunção de Inocência está disposto no artigo 5° inciso LVII, também da Constituição, e garante que "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Podemos afirmar, diante das informações citadas que para o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva estes princípios não foram respeitados, quando no dia 7 de abril de 2018 o mesmo foi preso, com o argumento de que o indivíduo poderia ser preso após a condenação em segunda instância, tendo apoio do STF, que não indeferiu o pedido de prisão. A Lei Anticrime sempre foi um projeto político, como nas palavras do próprio autor, o juiz e ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro: “O Projeto de Lei Anticrime é um projeto de governo”.

O referido projeto visava alterar quatorze leis e códigos, entre eles o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. Dos dezoito blocos de propostas, sete foram vetados pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Após duas mudanças de posicionamento do Supremo Tribunal Federal relacionado a constitucionalidade da prisão em segunda instância (2009-2016), há claramente um interesse específico da Operação Lava Jato neste assunto, diante do fato da mesma possuir cerca de 100 condenados em segunda instância. Um dos fatores determinantes para a não cabimento da aceitação da prisão após julgamento em segunda instância é o fato de a mesma infringir um dos princípios constitucionais mais importantes para a manutenção da justiça no Brasil: o princípio da presunção de inocência.

Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, um terço dos pedidos de habeas corpus de condenados em segunda instância no STJ tem suas penas revistas. Se há revisão em última instância fica claro que a condenação em segunda instância não é segura e viola o princípio da presunção de inocência. Além de aspectos constitucionais e clara relativização de direitos fundamentais garantidos pela Constituição de 1988, há de se falar também da superlotação do sistema carcerário brasileiro, que vive a beira de um colapso e está longe de ser suficiente para receber condenados até mesmo de última instância. Percebe-se que a criação e divulgação de tal proposta feita pela Lei Anticrime foi fruto de idealismos e possuía objetivos políticos e midiáticos.

Após os escândalos da Lava Jato o homem médio começou a interessar-se por política, por “justiça”. Propor a diminuição da “impunidade” é agradar os interesses de boa parte da população. Podemos dizer que além de oportunista, a Lei Anticrime possuía um objetivo puramente eleitoreiro e midiático. Mesmo não sendo aprovada a prisão em segunda instância, a lei anticrime se popularizou bastante, principalmente entre os politicamente leigos e o homem médio, também conhecidos como “massa de manobra”. Dessa popularização e da personificação de Sérgio Moro, tivemos como resultado a vitória do candidato Jair Bolsonaro, sendo o mesmo apoiado publicamente pelo então juiz Sérgio Moro que, após a posse do novo presidente tornou-se ministro da justiça.