A carta de Kakay a Lula e os prós e contras

O criminalista fez uma carta a Lula e a polêmica esta posta

Nesta segunda-feira (17), circulou, entre aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma carta assinada por Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado aliado do Partido dos Trabalhadores.

No texto, em tom de preocupação, o advogado faz uma comparação dos três mandatos de Lula, concluindo que o presidente mudou. Na conclusão, ele cita que diferentes políticos o confidenciaram uma dificuldade de se reunir com o chefe do Executivo.

Leia na íntegra:

Lula, a esperança da democracia.

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Clarice Lispector.

Lula ganhou 3 vezes e elegeu Dilma como sua sucessora. À época, elegeria qualquer de seus ministros, pois era imbatível.

Certa vez, conversando com um senador do PT, ele me disse que há um ano tentava uma audiência com a presidenta Dilma. Ela não fazia política. Sofreu impeachment.

Um dia, no governo Lula, um senador da oposição me liga às 11h da manhã e reclama que tinha assumido há 15 dias – era suplente – e que não havia sido recebido pelo Zé Dirceu, chefe da Casa Civil. Liguei para o Zé. Às 12:30, a gente estava almoçando no Palácio do Planalto. O Zé – de longe, o mais preparado dos ministros – deu um show, discorrendo sobre o Estado de origem do senador, que saiu de lá com o número do celular do Zé e completamente encantado.

Neste atual governo, Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo, impedindo que tivéssemos mais 4 anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas, de maneira irrecuperável, tudo que foi construído nos governos democráticos, não só do PT.

O fascismo acaba com tudo. Este o maior legado do Lula. Para tanto, foi necessário, senão não teríamos ganhado, fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro. Aqui em casa, no dia da diplomação, 12 de dezembro, determinado político se aproximou em um momento em que Lula e eu conversávamos, colocou amistosamente a mão no meu ombro e fez uma brincadeira. Ao sair da roda, o Lula me falou baixinho, rindo: “este jamais será meu ministro, e acha que vai ser”. Dia 1º de janeiro, ele assumiu como ministro. Este o brilhantismo do Lula neste momento difícil. Não fosse sua maturidade, não teríamos tido chance de vencer o fascismo. Por isto cometo aqui certa indelicadeza de comentar este fato: para ressaltar a maturidade do presidente Lula.

Mas o Lula do 3° mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem, ao seu lado, pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política.

Outro dia, alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o presidente. É outro Lula que está governando. Com a extrema direita crescendo no mundo e , evidentemente aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026.

Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. Tivesse ouvido o Ciro Nogueira e vacinado, ou ficado calado sem ofender as pessoas, teria ganho com a quantidade de dinheiro que gastou. Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir.

Claro que as circunstâncias estão favoráveis ao projeto de perder as eleições. Não dou tanto importância para estas pesquisas feitas o tempo todo. Mas prestei atenção nesta que indica que 62% não querem que Lula seja candidato à reeleição. A pergunta é: quem é seu sucessor natural? Não foi feito um grupo ao redor do presidente, que se identifique com ele e de onde sairia o sucessor político natural, o “grupo” do Lula, a gente sabe quem é. E certamente não vai tirá-lo do isolamento.

Ele hoje é um político preso à memória do seu passado. E isolado. Quero acreditar na capacidade de se reencontrar. Quem se refez depois de 580 dias preso injustamente, pode quase tudo. E nós temos o Haddad, o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel.

Já fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo.

Que Deus se apiede de nós! É necessário lembrar o mestre Torquato Neto no Poema do Aviso Final: “É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadada”.

A mensagem de Kakay gerou um profundo debate no mundo político. Veja duas opiniões e a entrevista que o advogado deu ao ICL notícias: 

A carta de Kakay a Lula: o tempo de reagir já começou

Por Reynaldo Aragon, jornalista especializado em geopolítica da informação e geopolítica da tecnologia

O debate sobre os rumos da frente ampla e a estratégia política para 2026 se intensificou com a carta aberta de Kakay ao presidente Lula. O advogado faz uma crítica direta ao isolamento político do presidente e à falta de articulação para garantir a continuidade do projeto progressista. Além disso, defende enfaticamente Fernando Haddad como o sucessor natural e aposta que, com a possível condenação e prisão de Bolsonaro, uma direita moderada poderia emergir para ocupar o espaço político que hoje pertence à extrema-direita.

Lula enfrenta dificuldades crescentes em manter uma articulação política eficiente. A frente ampla foi construída sobre um pacto frágil, reunindo setores diversos do espectro político para derrotar Bolsonaro em 2022. No entanto, esse arranjo não se consolidou como uma aliança programática de longo prazo, e há sinais claros de distanciamento entre setores que foram fundamentais para a vitória eleitoral do presidente. Esse isolamento, caso persista, pode comprometer a governabilidade e enfraquecer as bases progressistas para a próxima disputa presidencial.

Kakay sustenta que Haddad é o nome mais preparado para assumir essa posição, destacando sua inteligência e capacidade de articulação. No entanto, essa visão não é unânime dentro do PT e tampouco entre os aliados da frente ampla. A escolha de um nome competitivo para 2026 não pode ser tratada como uma decisão exclusivamente interna do PT, mas sim como um desafio estratégico que envolve toda a base progressista. A fragmentação da frente ampla pode dificultar essa definição e, sem um consenso forte, abrir espaço para que candidatos outsiders ganhem força.

Kakay aposta que, com a saída de Bolsonaro do jogo político, há espaço para o crescimento de uma direita moderada, capaz de se afastar do extremismo. Essa expectativa pode ser ingênua, pois o bolsonarismo não é apenas um projeto de poder individual de Bolsonaro, mas sim uma estrutura política enraizada na guerra cultural e na desinformação. A extrema-direita brasileira faz parte de um movimento global, articulado com think tanks, redes de financiamento internacionais e estratégias de manipulação informacional que operam independentemente da figura de Bolsonaro. Sua eventual condenação e prisão podem até gerar disputas internas dentro do bolsonarismo, mas não significam, de forma alguma, o enfraquecimento desse projeto político.

O advogado projeta um cenário em que a política brasileira pode caminhar para um reequilíbrio, no qual uma direita mais civilizada poderia se consolidar. Eu, por outro lado, vejo um quadro mais desafiador: a extrema-direita não apenas sobreviverá, mas continuará se reinventando e utilizando as mesmas estratégias que garantiram sua ascensão nos últimos anos. O Brasil continua sendo um laboratório de guerra híbrida, e a máquina de desinformação seguirá ativa, independentemente da presença de Bolsonaro como candidato.

Diante desse cenário, os desafios do campo progressista vão muito além da definição de um nome para a disputa presidencial. Sem uma estratégia eficaz de enfrentamento da guerra híbrida e da manipulação informacional, qualquer candidatura progressista enfrentará uma batalha desigual. A direita tem a vantagem da mobilização digital, da militância radicalizada e da influência sobre a opinião pública por meio de redes coordenadas de desinformação. O campo progressista, por sua vez, ainda não conseguiu estruturar uma resposta robusta para neutralizar essa ofensiva.

Se a frente ampla quiser ter chances reais em 2026, precisa agir agora. Primeiro, é fundamental que o governo Lula reforce sua articulação política, reaproximando setores que foram essenciais para sua vitória e que hoje demonstram sinais de distanciamento. Segundo, a definição de um candidato forte precisa ser feita com estratégia, levando em consideração o equilíbrio dentro da frente ampla e a necessidade de um nome competitivo para além do eleitorado tradicional do PT. Por fim, é imprescindível um enfrentamento concreto à guerra híbrida. Não se trata apenas de disputar votos, mas de compreender que a política hoje também se dá no campo informacional. Sem um plano eficaz para desmobilizar as redes de ódio e combater a desinformação, a extrema-direita seguirá com vantagem.

O futuro da frente ampla depende de sua capacidade de agir com inteligência e estratégia. Não há tempo para ilusões sobre o desaparecimento espontâneo do bolsonarismo ou sobre uma reorganização natural da política brasileira em moldes mais democráticos. O campo progressista precisa estar pronto para um embate intenso, no qual articulação política e disputa de narrativas serão determinantes. O tempo para reagir já começou.

A esquerda se infantiliza e manda cartinha para Lula

Por Moisés Mendes, jornalista 

A carta aberta a uma figura pública, quando alguém, por egocentrismo exacerbado, se acha no direito de simular um recado com uma lição a um interlocutor conhecido por todos, é um dos truques mais rasos de usuários de uma certa literatice colegial.

Elio Gaspari é o professor dessa gente no Brasil, com o recurso das cartas em que a alma de alguém que já foi importante psicografa uma aula para uma figura de hoje, com referências a eventos dos séculos 18 e 19.

Geralmente é subliteratura moralista da pior qualidade. Cartas públicas são coisas antigas, são galochas parnasianas. E são na essência uma manifestação de arrogância misturada a ressentimentos e outros impulsos.

O autor de cartas públicas acha que pode sugerir uma certa intimidade com o destinatário e dizer: olha só como sou capaz de expor meus sábios conselhos a esse cara.

E esse cara às vezes pode ser Lula, como o escolhido pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o famoso Kakay, a quem ele enviou uma carta que na verdade dirigiu aos amigos, para dizer que o presidente teria se isolado e virado outra pessoa.

E a carta pública para os amigos vazou para todo mundo. Entenderam? Uma carta pública, escrita para ser um recado público, mas que seria também privada e que vaza. Para ficar como recibo daquela conversa do eu avisei.

Que cada um decida se é isso mesmo ou se não é. Mas a forma escolhida já é uma coisa simplória, nesse mundo em que a marca da direita, e não da esquerda, é essa simploriedade que reduz tudo a bobagens e sínteses às vezes infantis.

Uma cartinha para Lula, de um jurista da esquerda e numa hora dessas, para se queixar porque não vem sendo recebido ou ouvido?

Não dá. É coisa de programa de auditório que envia cartas ao Papai Noel. Até o fogo amigo das esquerdas teve queda de qualidade.

Veja agora a entrevista do Kakay ao ICL: