Pensar Piauí

A importância do jornalismo assumir posições

A importância do jornalismo assumir posições

A equipe do pensarpiaui, da Revista Revestrés e convidados reúnem-se amanhã para uma roda de conversa sobre Comunicação e Política. A entrevista do jornalista Renato Rovai concedida à Revestres será o texto norteador do encontro. A partir de terça-feira o pensarpiaui divulgará depoimentos dos participantes da roda de conversa. A seguir reproduzimos a entrevista de Rovai concedida à Revestres e o vídeo com entrevista exclusiva do jornalista ao pensapiaui quando de sua passagem por no estado:

Jornalista posicionado

Com a Revista Fórum e o Blog do Rovai, ele é hoje uma das maiores audiências do jornalismo político online brasileiro. Adotando a linha da sinceridade, não poupa políticos nem jornalistas. E em tempos digitais ainda consegue dar furos, como quando informou que o neto de Lula não morreu de meningite meningocócica e quando a Fórum noticiou o processo de Alexandre Frota por conta de uma cirurgia de prótese peniana - “Me orgulha ter feito isso? Não. Mas foi um corte civilizatório.” Participaram desta entrevista: André Gonçalves, Maurício Pokemon, Wellington Soares, Samária Andrade e Zózimo Tavares (convidado. Jornalista e escritor). Texto e edição: Samária Andrade. Fotografias: Maurício Pokemon. Ele fala como escreve. Ou vice-versa. Rápido, assertivo, sem papas na língua. Posicionado – ele diria. Renato Rovai, 51 anos, é jornalista, criador e diretor da Revista Fórum, que nasceu impressa (2001) e, exclusivamente, digital desde 2014, hoje é uma das maiores audiências do jornalismo online brasileiro e expoente da chamada mídia alternativa progressista. A Fórum já bateu 36 milhões de page views (quantidade de acessos – parâmetro para medir a visibilidade de um site ou arquivo).  Em tempos onde a imprensa já nem se debate pelo furo – cada vez mais raro – a Fórum também consegue sucesso: o blog do Rovai foi o primeiro a informar que Arthur, 6 anos, neto do ex-presidente Lula, não havia morrido de meningite meningocócica, como havia informado o hospital e como noticiaram todos os veículos da mídia, provocando também um problema de saúde pública.   Todo o conteúdo do site é disponibilizado gratuitamente. Há nisso também uma posição política. Como o site informa: “O Brasil é um dos países com a maior concentração de mídia do mundo. Apenas seis famílias controlam as principais empresas do país, que recebem 90% da receita publicitária pública e privada”.   Para manter a Fórum, Rovai aposta, principalmente, nos anúncios programados via Google. Para que esse financiamento funcione, ele precisa manter a audiência em alta. E é a isso que tem se dedicado quase integralmente, 16 horas por dia, pautando, produzindo e garantindo um volume de cerca de 35 novas publicações diárias no site da revista. O tema principal é política e a redação, enxuta, com seis jornalistas full time e mais colaboradores eventuais, tem sede física em Santos, litoral de São Paulo. Na Casa Fórum, um sobrado de dois pisos que é também espaço cultural, a parte de cima é ocupada pela redação, enquanto o piso de baixo, além de estúdio para programas ao vivo, funciona como um bar que recebe debates, lançamentos de livros, música ao vivo e saraus.  “Isenção é uma coisa que não existe” – afirma – “Ou o jornalista nasceu, entrou numa cápsula, foi para o espaço e voltou todo limpinho de qualquer tipo de opinião?”. Com essa defesa, nem é de estranhar que, em alguns de seus perfis em rede social, Rovai mantenha uma foto em que aparece ao lado de Lula. E que se diga irritado com o discurso de neutralidade da imprensa convencional: “Por que essa isenção não é aplicada no jornalismo na hora de cobrir a reforma da previdência? A maioria dos jornalistas não têm isenção nenhuma” – dispara. Militante da democratização das comunicações, foi um dos articuladores do Fórum de Mídia Livre. Mas quando se fala em jornalismo militante, ele afirma preferir o termo jornalismo posicionado.  É assim, sem meias palavras, que ele não tem poupado críticas ao governo Bolsonaro. Recentemente convidado pelo Senado mexicano a falar sobre comunicação digital, publicou foto do evento em seu instagram com a legenda: “Pau no Bolsonaro e na perseguição à mídia alternativa brasileira”. Quando descobriu um processo que Alexandre Frota, ex-ator e deputado federal pelo PSL/SP, movia contra o plano de saúde Bradesco, para conseguir o implante de uma prótese peniana, resolveu pela publicação da matéria. “Alexandre Frota sempre chamou todo mundo de ‘pinto mole’. Demoramos um dia inteiro discutindo. E por que eu decidi publicar? Porque Frota usava aquela questão contra uma série de pessoas, como se não fosse um problema de saúde pública”.    Com o jornalista Diogo Mainardi (O Antagonista), a questão chegou na justiça. Rovai publicou trecho de delação de ex-vice presidente da Odebrecht que afirmou ter visto Mainardi em jantar com Aécio Neves. Em resposta, visivelmente enfurecido, Mainardi veiculou um vídeo em que chama Rovai de bandido e de safado e promete “quebrar” a Fórum. Mainardi move processo contra Rovai. O editor de Fórum diz à Revestrés: “Eles têm audiência? Têm! Têm jornalistas trabalhando pra eles? Têm! Eles são picaretas? São!”.  Fórum responde atualmente a 20 processos, sendo também o primeiro veículo de comunicação processado por Bolsonaro em seu mandato na Presidência da República. O motivo foi a publicação de uma conversa de Bolsonaro com o filho, Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), em que o pai diz que não vai visitar o filho na Papuda (complexo penitenciário do Distrito Federal). Além da Fórum, também está sendo processado o fotógrafo Lula Marques, autor das fotos que revelam a tela de celular de Eduardo com a tal conversa. Rovai publicou: “Já aviso que isso não nos fará mudar em nada nossa linha editorial. A Fórum não tem nada que explicar. Temos é que continuar fazendo jornalismo”. O jornalista compartilhou a notícia desse processo em sua página no facebook com a legenda em maiúsculas: “HIPÓCRITA”.  Formado em Jornalismo pela Universidade Metodista do ABC e mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), de tanto atuar nas redes digitais e virar fonte de pesquisas acadêmicas, ele se tornou também pesquisador do assunto. Doutorou-se em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC. Sua tese transformou-se no livro Um novo ecossistema midiático: a história do jornalismo digital no Brasil. É com esse livro e essa discussão que ele tem percorrido o Brasil. O jornalista é autor de outros livros, sempre estudando comunicação e política, como Midiático Poder: o Caso Venezuela e a Guerra Informativa, e é organizador do livro Golpe 16. Ele já lecionou jornalismo em faculdades de São Paulo e foi professor de pós-graduação do Centro de Estudos Latino-Americanos da Cultura e Comunicação da ECA-USP. O santista que viaja o mundo, mas está sempre voltando à sua terra natal, tem dois filhos e é casado com a também jornalista Adriana Delorenzo.  Em Teresina, Rovai fez lançamento do livro novo, palestras e oficinas de mídias digitais dias 25 e 26 de abril, quando conversou com Revestrés que, além da equipe da revista, apresentou perguntas feitas pelo jornalista Zózimo Tavares. Entre uma resposta e outra, os olhos de Rovai estão no celular. 26 de abril foi o dia da primeira entrevista de Lula após um ano preso.   Sem abrir mão de suas posições, o jornalista é também solícito e bem-humorado. Depois de dois dias intensos de trabalho em Teresina, antes de conversar com Revestrés, pede um tempo para pôr uma bermuda. Mais à vontade, avisa a seus anfitriões no Piauí: “após essa entrevista, me levem pra beber uma cerveja”. Samária – A revista Fórum nasceu como veículo impresso, em 2001, e foi mensal e distribuída em bancas até dezembro de 2013, sendo, a partir daí, inteiramente digital. Esse caminho, do impresso ao digital, é obrigatório para todos os veículos?   Renato Rovai – Essa mudança vai ser inevitável, com diferenças entre produtos e tempo. Com a Fórum eu acho até que demorei no formato impresso e poderia tê-la tornado totalmente digital antes. Mas tinha muita resistência na redação e o receio de perder o prestígio que a gente já tinha. Então, quando estourou Junho de 2013 (maiores manifestações de rua no Brasil desde os protestos pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, em 1992), eu falei: acabou, nós precisamos estar mais presentes na internet! A gente estava perdendo espaço naquele momento de revolução digital. Na cobertura de Junho de 2013 nós fomos muito ativos na internet e nossa audiência fez isso (faz sinal levantando a mão). Então eu falei: a gente precisa disso todo dia. E precisava parar de gastar tempo e dinheiro com impressão. Disseram: vamos perder publicidade. Ora, a publicidade ia migrar pro digital. Pelos dados do Meio e Mensagem a internet já é o segundo share do mercado publicitário brasileiro (17,7%), ficando atrás somente da televisão aberta (58,3%). (Os dados foram divulgados em abril de 2019 pelo Cenp – Conselho Executivo das Normas Padrão para a atividade publicitária).  Zózimo – Num cenário em que se fala de crise de financiamento para a imprensa, qual o caminho para a sobrevivência do jornalismo?  André – E como a Fórum tem lidado com as formas de financiamento?    RR – Hoje, para os sites, acabou ou é muito raro ir atrás de anunciante. Os anunciantes compram os espaços de publicidade via Google ou por outras grandes empresas. E não compram um anúncio num determinado veículo, mas um “alvo”, por exemplo: uma pessoa entre 30 a 50 anos, com poder aquisitivo de 10 salários mínimos, que mora na região Sudeste e usa cabelo comprido. Aonde esse cara estiver, os anúncios vão chegar nele pelas mídias digitais, não importa se via Fórum ou outro veículo. Se o cara pesquisar no Google “viagem”, vai receber anúncios com esse tema, seja que site tiver acessando. Se é na Fórum, o Google mostra o anúncio pra ele e paga pra mim. Isso hoje é 70% de nossa receita. Mas pra isso funcionar, o siteprecisa ter muita audiência (fala enfatizando as últimas palavras). Com muita audiência você consegue pagar uma redação em um custo geral enxuto. Também temos publicidade de governos, movimentos sociais, sindicatos e, eventualmente, empresas que querem anunciar diretamente com a gente. E temos ainda os sócios (pessoas que fazem doações mensais entre R$ 9,90 a R$ 99,90 ou doação única de qualquer valor, acima de R$ 50). Então têm vários caminhos. Mas acabou aquele modelo velho de redação com 100 jornalistas, dezenas de correspondentes pelo mundo. E isso acabou não pra gente, mas pro New York TimesEl PaísThe Guardian – tá todo mundo se reinventando. André – No prefácio do seu livro Um Novo Ecossistema Midiático, Sérgio Amadeu da Silveira, pesquisador de redes digitais, fala que você chama de Ultimate Fighting Journalism um estilo que caracterizaria o combate informativo na rede. Como podemos traduzir, na prática, essa expressão?  RR – Na versão final do livro eu dei menos peso para essa terminologia, por receio de que as pessoas pegassem a expressão para explicar tudo. Mas eu me refiro ao momento atual da comunicação digital, que é uma luta de vale tudo. Nesse momento em que se constrói um ecossistema mais amplo, mais plural, a partir da entrada da web, e quando mais pessoas começam a produzir informações, você tem uma zona de atrito maior para o jornalismo. Essa espécie de “vale tudo” é também fruto da ampliação do ecossistema. E eu prefiro a ampliação do ecossistema, com os riscos que isso traz, do que a concentração total na comunicação das décadas de 1980 e 1990. Não estou dizendo que hoje não tem concentração, mas ela é diferente. Hoje temos um espaço maior de produção de disputa de sentido. Na década de 1990 se sentavam cinco ou seis grandes editores e combinavam o jogo inteiro, e não tinha combate nenhum, todo mundo falava a mesma coisa e ponto final (fala com ênfase). A gente ia disputar a narrativa nos bares, nas fábricas, em espaços menores. Tinha o jornalismo sindical, os panfletos, mas eram segmentados e sem repercussão na opinião pública ampla, sem uma produção de conteúdo massiva e contínua. Hoje temos vários produtos informativos – da direita, esquerda, centro – que fazem uma comunicação intensa e publicam até 30 matérias ao dia.  Zózimo – Com tantas e tão aceleradas mudanças no modo de fazer jornalismo, que imprensa vem por aí?  RR – É difícil dizer, mas acho que cada vez mais vamos ter uma participação maior do cidadão fazendo o registro do acontecimento, produzindo uma primeira camada da notícia, para que depois ela se transforme em produto jornalístico. Mas aquele primeiro registro cada vez menos vai ser do jornalista, e cada vez mais vai ser do cidadão que tá lá, na pinta do lance. Acho que a confluência dos meios está se consolidando: as TVs estão cada dia mais parecidas com produtos de internet e vice-versa. Canais como Globo News estão fazendo entrevistas com celular e, por outro lado, há canais de internet com alta qualidade.    Samária – Nesse cenário, que você chama de novo ecossistema midiático, que papel têm agentes como a Mídia Ninja?  RR – Dentro do campo do jornalismo independente tem camadas distintas que se completam. A Mídia Ninja, o Jornalistas Livres, e outros coletivos, fazem uma cobertura de guerrilha por meio de vídeos e fotos, principalmente. O que tiver acontecendo, em qualquer lugar do Brasil, tem um guri da Mídia Ninja registrando. Sites como Fórum, DCM (Diário do Centro do Mundo), Brasil 247, GGN, Carta Capital, têm outro papel: tentam apurar informações da política, trazer análises e, ao mesmo tempo, fazem uma curadoria de informações, às vezes pinçando do fundo de uma matéria algo que ficou quase invisível e é transformado em manchete. Têm também pessoas como Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada), Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania), Miguel do Rosário (O Cafezinho), e muitos outros blogueiros que fazem um jornalismo mais personalizado. Todas essas atividades são complementares e cada uma é importante. É isso tudo que constrói um novo ecossistema informativo.  André – Ao tempo em que a Globo News incorpora elementos de um jornalismo digital, ela também preserva características, promovendo uma espécie de blindagem em alguns assuntos ou fazendo recortes de interpretação. Você considera que esse tipo de narrativa dos veículos convencionais está sendo atravessada pelas narrativas possibilitadas pelas redes digitais?  RR – Tem algumas coisas aí. Primeiro: a Globo News está incorporando elementos originais da narrativa digital por necessidade, eles não têm mais os mesmos orçamentos anteriores. Por outro lado, Junho de 2013 desmontou a ideia da narrativa única. Quando você tem a Mídia Ninja dentro das manifestações, fazendo filmagens ao vivo, e a Globo em helicópteros e tomando pau: acabou! Se eles continuassem do mesmo jeito, estavam perdidos. E começaram a colocar jornalistas sem identificação nas ruas, filmando de celular, porque as pessoas não queriam a Globo alí. Dalí em diante eles começaram a acelerar algumas alterações. Em relação ao recorte que fazem, isso me irrita profundamente. Eles falam de um jornalismo profissional, envolvido num sacrossanto manto, que permite a eles uma autoridade que nós, veículos posicionados, não podemos ter. Só que eles são absurdamente posicionados. Quando você vê um debate sobre a reforma da previdência, todo mundo defende a reforma e fala a mesma coisa. Eles falam igual sobre cultura, sobre qualquer assunto. Em geral são pessoas brancas e heterossexuais. A diversidade é muito pequena em tudo, não só na temática. Se vão discutir o crescimento do Brasil, todas as fontes são do mercado, não levam um sindicalista! Esse jornalismo que eles defendem como profissional é, na verdade, um jornalismo absurdamente marcado por uma editorialização anti-povo, um jornalismo do mercado (fala com ênfase). O nosso jornalismo, na Fórum, é social. “Ah, mas vocês são de esquerda” (fala imitando vozes).  Nós somos à esquerda, sim, e vocês, grandes veículos, não são de centro. São de direita e pró-mercado. André – Você acha que o discurso da neutralidade nos grandes meios de comunicação está se tornando insustentável?   RR – Eu acho que o natural é o contrário do discurso de neutralidade: que todo mundo assuma exatamente que apito toca. No mundo inteiro é assim, no Brasil é que tem esse disfarce. Se você for em qualquer país minimamente desenvolvido e com uma imprensa livre, você vai ver isso: o natural é assumir posições.  Wellington– A eleição de Bolsonaro colocou contra a parede a chamada grande mídia, mais afinada com um candidato de centro ou de direita. Bolsonaro fez campanha basicamente usando redes sociais, sem espaço na televisão no primeiro turno, sem um partido forte. Essa situação, além de obrigar a grande imprensa a se repensar, provoca também uma reflexão para as mídias alternativas mais progressistas, que igualmente não perceberam movimentos da extrema direita que se revelaram eficientes. Como você vê essa situação?  RR – Partindo desse seu pressuposto de que a grande mídia foi derrotada com a eleição de Bolsonaro, então faz cinco eleições que ela vem sendo derrotada, porque nas quatro anteriores – duas com Lula e duas com Dilma – ela apoiou, quase totalmente, as candidaturas dos adversários desses candidatos. Em 2014, Dilma ganhou a eleição contra todas as mídias, contra os grandes empresários, contra o sistema financeiro, contra quase todos os partidos, com exceção do Psol e do PMDB – que estava ali como vice, mas já pensando no golpe, com boa parte do partido fazendo campanha pro Aécio (PSDB), e ainda com os ecos de 2013. Então 2014 foi meio “contra todos”. Isso mostra que a chamada grande mídia não é tão forte como se imagina. Isso é um ponto. Outro é que teve uma mudança no marketing político, que já vinha acontecendo, e os partidos tradicionais – PT, PSDB – fizeram de conta que não estava existindo. Eu falei: essa é a eleição da virada da internet, que vai ter mais força que a televisão, se eu fosse candidato gastaria, no mínimo, a mesma coisa com internet. O Bolsonaro gastou tudo o que tinha com internet e esqueceu a TV. “Ah, mas teve a facada”. É verdade, esse episódio importa. Mas Bolsonaro fez uma opção estratégica de campanha: vou ganhar ou perder com a internet. Agora, sobre os veículos progressistas, nós crescemos muitos nos últimos anos. A Fórum bateu 36 milhões de page views em 2019. Em 2014 nós tínhamos entre 3 a 4 milhões. Então é um crescimento muito grande. E é um esforço enorme, sem apoio. Não pense que os governos progressistas procuram esses veículos para apoiar. Não tem nada disso, é um esforço quase quixotesco, uma utopia e você sai fazendo.  Wellington – Lula foi o Primeiro presidente a conceder entrevista coletiva para blogueiros, em 2010. Essa entrevista teve algum papel no crescimento desse campo?  RR – Não. Eu acho que a iniciativa do Lula em dar aquela entrevista é histórica. Eu estive lá. Depois daquilo a gente fez algumas outras entrevistas, com Dilma, com Fernando Haddad, mas já sem o mesmo significado, embora seja sempre importante, porque marca um campo. Agora, do ponto de vista comercial ou da audiência dos blogs ou da mídia alternativa, não mudou em nada. Quando Lula deu aquela entrevista, nós já estávamos grandes, já tínhamos ajudado a impedir que a eleição de 2010 (Dilma) fosse manipulada pelos meios de comunicação da mídia convencional. Então foi quase como um reconhecimento pelo trabalho correto que a gente tinha feito, do ponto de vista jornalístico. É até estranho falar isso, mas acho que é isso.    Samária – Você falou algumas vezes em Junho de 2013, que teve um papel, inclusive, na sua decisão pelo modelo digital. Aqueles eventos, no entanto, têm interpretações diferentes, ora sendo vistos como a eclosão de movimentos democráticos, ora como o nascimento do que desembocaria na ascensão de uma extrema direita no Brasil. Como você interpreta Junho 2013?   RR –  Junho de 2013 não nasceu da CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) ou na SNA (Agência de Segurança Nacional americana). Foi um movimento iniciado pelo MPL (Movimento Passe Livre), que já discutia o transporte público. Eu os conhecia desde o Fórum Mundial Social (O MPL foi fundado em 2005, durante o FSM em Porto Alegre). Ainda em 2011, com Kassab na prefeitura de São Paulo, eles já tinham feito manifestações. Em 2013, no dia do primeiro protesto convocado pelo MPL em São Paulo (6 de junho), eu encontrei a manifestação no meio do Viaduto do Chá. Vi a porrada comendo solta e os garotos armados de celulares: fizeram fotos, vídeos, e passaram a ter um capital político para convocar outra manifestação, já não mais contra os chamados 20 centavos, mas contra a violência. Na manifestação do dia 13 de junho, o pau comeu de novo. O Datena (apresentador do Brasil UrgenteTV Bandeirantes) mostrou a manifestações na TV, dizendo que era vandalismo, e fez a enquete: “Você é a favor desse tipo de protesto?”, e a população votava a favor. E ele: “o público não entendeu, muda a pergunta”. Mudaram pra: “Você é a favor de protesto com baderna?”, e as pessoas continuavam a favor dos manifestantes (risos). Nesse mesmo dia, o Arnaldo Jabor fez um comentário na CBN dizendo que aquela molecada não valia os 20 centavos que pediam de desconto na tarifa. Só que aquele negócio cresceu e a história não nos permite dizer – a partir dos fatos que aconteceram –  que aqueles eram movimentos da direita. Uma das manifestações se conduziu até a Globo (17 de junho, em São Paulo), e eles começaram a ficar com medo e mudaram a narrativa, falando de uma manifestação bonita (nesse dia, Jabor fez uma autocrítica na CBN, repetida no Jornal Nacional, da TV Globo, declarando-se a favor do movimento e assumindo que julgou mal as manifestações). O MPL, por outro lado, fazia o agendamento das manifestações, mas já tinha perdido o controle do evento. E a direita foi pra rua. Porque queria derrubar o PT. E já tinha tentado isso com o movimento “Cansei”, ainda em 2006 (criado por setores da elite, opositores ao então Governo Lula, que teve, como principais articuladores, o empresário João Dória Júnior, hoje governador de São Paulo, e o executivo Paulo Zottolo, então presidente da Philips no Brasil, que criou polêmica ao afirmar: “se o Piauí deixar de existir, ninguém vai ficar chateado”). Desde esse tempo a direita tinha criado uns hubs de rede (processo pelo qual se difunde uma informação para muitos receptores ao mesmo tempo): a TV Revolta, o Movimento Contra a Corrupção, o MBL (Movimento Brasil Livre), o Vem Pra Rua. 2013 termina numa confusão e os procuradores entram na jogada. A PEC 37 (que pretendia colocar a apuração de investigações criminais como privativa da polícia judiciária) vira tema. Mais gente embarca no clima de protestos e o conceito muda. O fascismo vai pra rua – é verdade – expulsa os partidos e sai maior daquele processo. Eu não acredito que 2013 foi um movimento “criado”, como alguns defendem, mas eu concordo que, ali, o ovo da serpente pode ter sido chocado. Eles entenderam como derrotar o campo progressista.   Wellington – E quais os erros do campo progressista naquele momento?  RR – Foram muitos. Teve erros do governo Haddad (então prefeito de São Paulo, PT) na condução na negociação política com os manifestantes do MPL. Primeiro, ele estava em Paris e não voltou logo. Quando chegou, onde Haddad anunciou a diminuição da tarifa? No Palácio dos Bandeirantes, ao lado de (Geraldo) Alckmin (Governador de São Paulo, PSDB). Alckmin falava e Haddad balançava a cabeça, confirmando. Aquela foi uma cena de derrota pro militante progressista. Haddad poderia ter feito daquele limão uma limonada, ter parado tudo e discutido mobilidade urbana durante três meses, fazendo encontros nos bairros – essa era uma discussão de todos! Mas ele quis ser leal ao Alckmin, e eu não consegui entender: que lealdade é essa?! A revista Veja fez uma capa apontado cinco pontos de pauta que mereciam atenção e esses pontos foram incorporados por Dilma (presidenta, PT), que saiu anunciando que o primeiro ponto era a reforma política. Temer (vice-presidente, PMDB) desautorizou Dilma publicamente e o Zé Eduardo Cardoso (Ministro da Justiça) deu razão a Temer. Dilma anunciou o “Mais Médicos” (programa para suprir carência de médicos nos municípios do interior e periferias das grandes cidades), que foi bom, mas ela saiu capitalizada dali? Não! Às vésperas das eleições presidenciais (outubro de 2014), a Veja ainda lançou aquela capa “Eles sabiam de tudo”, com Lula e Dilma (a capa seria uma denúncia ao esquema de corrupção na Petrobrás). O PT ganhou a eleição de 2014, mas já se percebia uma construção do Judiciário, que saiu fortalecido com a Lava Jato (investigações para apurar lavagem de dinheiro e pagamento de propinas). A oposição ao PT percebeu que, mesmo perdendo, tinha condições de embarcar num projeto golpista, já que Dilma começava o governo meio tonta, no sentido de tanta coisa pra resolver. E contam com Temer, que achou que podia ser bom pra ele. Existia ainda um interesse internacional. Os caras estavam de olho no Brasil, tinham espionado a Petrobrás. Então têm muitas nuances nessa história.  André – Observando desdobramentos de grandes manifestações públicas no Egito e outros lugares do mundo, vê-se uma forte reação conservadora após esses movimentos. Um tempo depois do golpe de 2016, Franklin Martins, ex-ministro de Comunicação no governo Lula, avaliou que houve uma grande dose de ingenuidade por parte do então governo e também das esquerdas brasileiras, de modo geral, que não compreenderam o que estava acontecendo e os riscos envolvidos. Dois anos após o golpe, acontece a eleição de Bolsonaro. Isso mostra que o campo progressista continua ingênuo?  RR – Sim. E a primeira coisa que deve ficar clara é que o avanço da extrema direita é um movimento internacional e tem relação com a crise econômica financeira de 2008, iniciada nos Estados Unidos. Foi assim com a Segunda Guerra Mundial, que estourou em 1939 e tinha relação com a crise ocorrida antes, em 1929. E o que isso pode produzir na sequência? Um acordo, um novo pensar a respeito das coisas, um aprofundar de problemas? A gente não sabe. Mas é curioso: quando se tem grandes crises provocadas pelo capital, a reação e a saída não costumam ser pela esquerda, num primeiro momento, mas pela direita, pela xenofobia, pelo individualismo, pelo tentar resolver o “meu” problema. Acho que a gente está passando por esse período histórico, que acontece também na Hungria, Polônia, Itália – que era inimaginável! Eu não duvido nada que Le Pen ganhe a próxima eleição na França. André – Na Espanha, o Podemos (partido de esquerda) reclamou que bloquearam grupos de WhatsApp favoráveis às suas ideias na véspera das eleições. O PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), conseguiu o maior número de assentos no Parlamento, mas o Vox, partido de ultra direita, conseguiu votação expressiva, com mais de 10% dos votos. Na Ucrânia, o ator humorista Volodímir Zelenski, sem experiência política e com discurso antissistema, venceu a eleição. Todo esse movimento, além de político, tem a participação de grandes corporações econômicas. Como se pode enfrentar isso tudo?  RR – Eu acho que os ciclos históricos são mais curtos em tempos de redes digitais, então penso que a gente sai desse imbróglio mais rápido do que em outro momento. Mas o problema é grande. E depende muito do que acontecer na matriz. Se nos Estados Unidos Trump for derrotado (a eleição americana ocorre em 2020 e Trump deve ser candidato à reeleição), isso abre um precedente que pode movimentar muitos países periféricos, inclusive o Brasil. A vitória de (López ) Obrador no México (Partido da Revolução Democrática – PRD) foi importante. Se Cristina Kirchner se sair bem na Argentina, isso pode ser decisivo para a América Latina (Kirchner anunciou que será candidata a vice na chapa de Alberto Fernández, que foi seu chefe de gabinete). Na Colômbia está tendo uma Lava Jato e estão tentando prender Gustavo Petro (que perdeu a eleição para Iván Duque, candidato de direita). Mas com a eleição do PSOE, na Espanha, a gente começa a falar “opa, saímos da Oceania” – vocês jogaram War? (risos). Podemos andar um pouquinho mais no jogo.    Wellington – Você diz que vivemos ciclos e agora temos um ciclo da extrema direita. O que representou um ciclo anterior, de esquerda na América Latina?    RR – No Brasil, os governos Lula e Dilma foram importantes para mostrar que é possível distribuir renda e construir programas sociais eficazes, que mudam a vida das pessoas, a custo baixo. Isso não é pouca coisa (fala duas vezes batendo os dedos na mesa). Podiam ter feito mais? Claro, não se faz tudo de uma vez. Na área de comunicação foram um desastre. Na área de educação foram muito bem. Haddad, a quem eu fiz uma crítica sobre Junho de 2013, foi excelente Ministro da Educação e fez um bom governo na Prefeitura de São Paulo. A memória desses governos talvez seja resgatada daqui a um tempo. Eu acho que essa é a aposta de Lula quando aceita ir preso: “Um dia eu vou sair de lá porque esses caras são ruins de governo e agora tá aqui essa merda”.  Wellington – Lula estava há um ano sem dar entrevista até a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para que fosse entrevistado por Mônica Bergamo, pela Folha de São Paulo, e Florestan Fernandes Júnior, por El País (a entrevista foi solicitada pelos jornalistas em setembro de 2018 e ocorreu em 26 de abril de 2019). Lula está preso desde 7 de abril de 2018). Outras entrevistas estão sendo produzidas. Que papel elas podem ter no atual cenário político brasileiro?   RR – A primeira entrevista é uma nova moeda no jogo político. O STF está sendo pressionado pelo bolsonarismo, com ataques de baixíssimo nível, especialmente contra Toffoli, Gilmar Mendes e Lewandowski. Então Toffoli diz: “tá bom, vamos trazer o sapo barbudo para o cenário de novo”. O Lula falou, emocionou um monte de gente, e trouxe uma reflexão sobre o campo político. Há uma grande diferença entre uma carta de Lula e ele falando. Quando essa minha entrevista sair, já teremos várias entrevistas veiculadas e, talvez, uma outra situação. Mas elas são novas peças no jogo político e precisam ser consideradas. Em tempos de internet, uma boa análise de conjuntura dura um dia (risos). Samária –  No caso em que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, tentou agir contra reportagens sobre Toffoli, ligando o presidente do Supremo à empresa Odebrecht, publicadas nos sites O Antagonista e revista Crusoé, dos jornalistas Diogo Mainardi e Mário Sabino, a discussão derivou para a questão da censura à imprensa. Você escreveu: “O Antagonista não é um veículo de comunicação, mas um projeto de especulação”. Por que você afirma isso? E como lidar com esses atores?  RR – Porque eles, inclusive, são bancados pela Empiricus, que é uma agência de especulação financeira. E porque o jornalismo deles é o tempo todo especulativo: mandando recadinho, fazendo chantagem política, ameaçando – são uma empresa de lobby. Eles têm audiência? Têm! Têm jornalistas trabalhando pra eles? Têm! Eles são picaretas? São! É o que eu acho. Eles se acham os reis da liberdade de expressão, mas Diogo Mainardi está me processando. Os caras não valem nada e eu acho que o tipo de coisa que eles fazem acaba criando um parâmetro para a galera nova, que tá nas faculdades, e pode parecer que isso é legal: ficar xingando, chamando todo mundo de bandido, pilantra, revelando amante de um e outro. Eles fazem qualquer coisa! Na entrevista de Bergamo e Florestan com Lula, eles entraram com pedido – e a Polícia Federal de Curitiba aceitou – para assistirem a entrevista, podendo fazer perguntas, que Lula responderia se quisesse (o ministro Lewandowski manteve a entrevista restrita a Folha e El País). Imagina o Diogo Mainardi – aquele maluco – gritando na hora da entrevista. Eles queriam transformar aquilo num circo! Evidente que eles têm o direito de existir, mas acho que os jornalistas progressistas têm que disputar com eles e mostrar quem eles são: um projeto de especulação. Samária – O seu blog foi o primeiro a noticiar que Arthur, neto de Lula, não morreu de meningite meningocócica, como se afirmava até então. Você obteve essa informação via deputado federal Alexandre Padilha (PT/SP), que entrou com requerimento no hospital no dia do falecimento de Arthur, reclamando que o óbito foi informado ao jornalista Ancelmo Gois, de O Globo, antes de ser comunicado ao pai de Arthur, que soube da morte do filho pela matéria de Gois, segundo Padilha. Como o jornalista deve agir com informações que envolvem pessoas públicas, mas são de caráter privado?  RR – Com muito cuidado. Eu já deixei de noticiar várias coisas que iriam bombar. Aparece de tudo! E grande parte das vezes nem é o veículo que vai atrás. Por exemplo: sobre a relação de Bolsonaro com a mãe dele, comenta-se muita coisa, mas eu nunca publiquei nada. Amante de político é a informação que mais se sabe. Mas se eu publico, vou transformar meu produto jornalístico em quê? Vou dar um exemplo de quando fiz o contrário: o Alexandre Frota (ex-ator e deputado federal, PSL/SP) sempre chamou todo mundo de “pinto mole”, e fica sacaneando as pessoas LGBTS.  Quando ele perdeu uma ação (contra Eleonora Menicucci, ex-ministra e ex-chefe da Secretaria de Política para as Mulheres no governo Dilma) disse que o juiz – que era homossexual – tinha julgado com a bunda. Depois daquilo chegou em minhas mãos um processo de Frota contra o plano de saúde Bradesco. Ele queria fazer uma operação peniana pra resolver problema de ereção. Ou seja: o pinto dele era murcho! Cara, a gente deu essa notícia. Demoramos um dia inteiro discutindo. E por que eu decidi publicar? Porque Frota usava aquela questão contra uma série de pessoas, como se não fosse um problema de saúde pública, quando o próprio processo dele apontava isso. O processo diz que o plano de saúde não queria garantir a prótese adequada para o caso. E a defesa era até engraçada, porque dizia: ele não vai poder entrar numa piscina com a prótese, pois ela permaneceria ereta o tempo inteiro. Bom, a gente fez a matéria jornalística, muita gente criticou e eu abri uma live pra dialogar com as pessoas. Você imagina a quantidade de gente que sofre com esses machões bombadões falando da própria virilidade e desmoralizando todo mundo. As pessoas podem ter problemas de ereção, sim, e podem ir atrás de tratamento. A importância de fazer o que fizemos é que você chama o jogo para um outro local. E o jornalismo tem obrigação de fazer isso – na minha opinião. Eu tinha todo o processo, mas só publiquei dois trechos. Aí ele foi no programa da Luciana Gimenez (Rede TV) e disse que era mentira. No intervalo do programa eu tuitei: “caro Alexandre, se você quiser eu publico o processo na íntegra”. No bloco seguinte, ele voltou com outra história. Me orgulha ter feito isso? Não. Mas ao mesmo tempo foi um corte civilizatório. Outro exemplo: eu não tenho nada a ver com a sexualidade do Carluxo (filho de Bolsonaro), mas pela forma como os bolsonaros atacam os LGBTs, se eu tiver uma foto de Carluxo beijando um cara, eu dou a matéria. Eu dou! (fala com convicção). Eu não daria, mas tenho que considerar as ameaças que esse cara faz aos LGBTs, o que fizeram com Jean Wyllys. Em nome deles eu daria essa notícia. Mas não vou ficar atacando Carluxo por conta da sexualidade dele.  Zózimo – Uma regra de outro do jornalismo é a busca pela isenção. Como conciliar isso e o jornalismo militante?  RR – Eu não acho que a isenção é uma regra de ouro do jornalismo. Isenção é quase um mito, uma vaca sagrada, uma coisa que não existe. Você tem uma formação humana, uma formação ideológica, um lugar político na sociedade. Ou o jornalista nasceu, entrou numa cápsula, foi para o espaço e voltou todo limpinho de qualquer tipo de opinião? Ou então: por que essa isenção não é aplicada no jornalismo na hora de cobrir a reforma da previdência? Que isenção é essa? Pergunte pra qualquer jornalista se ele pode fazer ao ministro Paulo Guedes as perguntas que eu posso no meu veículo de comunicação? A maioria dos jornalistas não têm isenção nenhuma. Outra coisa: não precisa ser jornalismo militante. Ele pode ser posicionado, que é diferente. As pessoas acham que a isenção só se dá na hora da cobertura eleitoral. Não! É no dia a dia, no que afeta a vida das pessoas. Eu vou posicionado pro debate da reforma da previdência, eu vou perguntar sobre o que vai acontecer com a vida das pessoas daqui a dez anos, eu quero fazer a conta junto com Paulo Guedes. “Ô Paulo Guedes, a Dona Maria pagou 35 anos de aposentadoria investindo ‘tanto’, quantos anos ela vai ter que trabalhar e pra receber quanto?”. As perguntas objetivas não são feitas. Não me interessa essa economia com linguagem de mercado que eles estão falando.  Samária – Uma grande questão para o jornalismo político é a relação com as fontes, que deve ser cultivada, mas com o cuidado de não aproximar demais jornalista e fonte, a ponto de prejudicar uma informação. Como você lida com isso?    RR– Quem faz cobertura política tem que tá conversando com as pessoas que são suas fontes o tempo todo. Hoje, com a tecnologia, é mais fácil. Se eu vejo um deputado x ao lado do ministro da fazenda, mando um WhatsApp: “e aí cara, o que tá rolando?” Às vezes o próprio deputado responde. Outras vezes têm assessores que são meus leitores e passam alguma informação. Tem gente que eu nem conheço e diz “tô aqui na Câmara, sou funcionário e não posso aparecer”, e daí vem a informação. Têm pessoas que se sentem mais seguras em passar informação pra gente do que pros grandes veículos. Wellington – Na política internacional, a Rússia tem sido acusada de ter interferido na eleição de Trump, nos Estados Unidos. Mas Trump é de extrema direita, quando a Rússia, historicamente, teria uma posição mais ao lado dos países emergentes. Que papel você considera que a Rússia teve na eleição de Trump? E outra coisa: afirmar que a Rússia interferiu nas eleições americanas é admitir que esse país está tecnologicamente mais avançado que os Estados Unidos?    RR – Eu tenho muita dúvida sobre a participação da Rússia na eleição americana. Pode ter acontecido algumas coisas com uso de tecnologia, com distribuição massiva de mensagens via WhatsApp. Mas acho que Trump ganhou porque usou a melhor estratégia pra ganhar: fez uma campanha fundamentalmente de redes, percebeu que a internet ia decidir as eleições. A Dilma não levou em consideração o que ouviu de Erdo?an (presidente da Turquia), de Putin (presidente da Rússia), que falaram claramente pra ela – eu apurei – que teria que se montar um puta esquema de segurança cibernética, teria que proteger a Petrobras, dar um chega pra lá nos Estados Unidos. Ela achou que não precisava de tudo isso, que era um exagero e não utilizou a inteligência Russa. Acho que temos hoje uma disputa no ciberespaço que é como na época da guerra fria. E os grandes players que estão disputando o mundo físico – Rússia, Estados Unidos, China – estão disputando o mundo virtual também.  Wellington – O que representam pessoas como Edward Snowden (tornou públicas informações do sistema de vigilância global executado pelos Estados Unidos) e Julian Assange (fundador do WikiLeaks)?    RR – Eles são dois hackers –  aqueles caras que fazem um papel de Robin Hood: tiram do rico e dão ao pobre. Ou seja, tiram informação de quem está escondendo e distribui para quem precisa conhecer. A filosofia hacker tem um conceito bastante interessante. Eles se sentem na obrigação de revelar coisas que possam ajudar as pessoas. E estão sendo perseguidos e ameaçados pela grande potência planetária, que são os Estados Unidos, por terem feito o que seria, inclusive, papel do jornalismo: revelar informações que dizem respeito à sociedade. O governo americano diz que são informações secretas. Quer dizer que é pra sair cortando cabeça de quem veiculou informações que alguém definiu como secretas? Eu tenho grande admiração pelos dois, acho que eles cumpriram um papel inclusive heroico e as esquerdas mundiais não os valorizaram, porque nem os compreenderam. Nesse momento, as lideranças da esquerda do campo progressista são muito analógicas e o que eles fizeram é algo dos tempos digitais. Acho que eles têm um papel, com as devidas proporções, comparado ao de Che Guevara. São guerrilheiros da informação e poderiam ter ido mais longe, se tivessem tido apoio.    André – Assange diz que a internet, ferramenta de emancipação, está sendo transformada no mais perigoso totalitarismo que já vimos e é uma ameaça à civilização humana. Segundo dados do Facebook, em 2019, essa rede tem mais de 2,3 bilhões de usuários diários. Os brasileiros somam mais de 130 milhões de usuários e o Brasil é o terceiro país com maior número de perfis, perdendo apenas para Índia e Estados Unidos e empatando com Indonésia. O Facebook tem sido acusado de venda de dados dos usuários e o WhatsApp de uso indevido da plataforma. Que cuidados você toma, como jornalista de veículo digital e cidadão, para se proteger dessa vigilância e uso de dados?  RR – Eu não tomo cuidados. Pra ser jornalista público, dar opinião, preciso usar todas as redes sociais. E no dia que eu usei uma, acabou. Eu concordo com tudo, assino protocolos que nem leio, até porque, se você ler os contratos, nem assina. Como eu preciso das redes pra falar, ser seguido, debater minhas ideias, acabo correndo o risco de ser vigiado cada vez mais. Seria melhor se não fosse assim. Daqui a cinco, dez anos, essas redes podem ter ido pro vinagre e ter nascido outras, de outro jeito, com outras características (faz breve pausa). Na hora que você está vendo o bicho, naquele espaço-tempo histórico, ele sempre parece maior do que é de verdade. E o que hoje parece um enorme desalento pode ser outra coisa daqui a três meses, um ano. Será que o fenômeno Bolsonaro é isso tudo? [embed]https://www.youtube.com/watch?v=DSPxAnUlctA[/embed]

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