Pensar Piauí

A grande e a pequena política

A grande e a pequena política

Agora em fevereiro vai acontecer eleição para as presidências da Câmara Federal e do Senado. O debate em torno do assunto acontece de forma acalorada e cobra-se uma posição do PT sobre sua postura diante desta eleição. Alguns ícones do Partido como os senadores Lindberg Farias e Gleisi Hoffmann já se posicionaram. Eles são contra qualquer participação do PT em chapas com candidatos que participaram do golpe de 2016. Mas há deputados, do Partido que defendem a aliança numa forma de ter participação na mesa diretora e assim influenciar na pauta do parlamento. O senador Lindberg Farias, publicou na internet interessante artigo sobre o tema. Fiz uma leitura do que o Senador carioca escreveu e não teve como não fazer ligação direta com as eleições de 2018.
Aqui no Piauí, o PT vive dilema semelhante no governo do Estado com a participação, entre outros do PP, partido decisivo na derrubada inconstitucional da presidenta Dilma. Anuncia-se para os próximos dias uma mexida no secretariado do governo do Estado numa forma de Wellington Dias acomodar forças políticas, entre elas o PMDB, e preparar a concertação para a futura chapa que disputará as eleições vindouras.
Daqui até a composição das chapas de 2018 muita água ainda vai rolar. Temos todo 2017 pela frente e boa parte do ano eleitoral. Mas o artigo de Lindberg serve para a eleição parlamentar do próximo mês, mas é um alerta, também, para o comportamento do PT em todas as outras eleições.
Ao ler o artigo fui cometendo um plágio mental ao lembrar da situação do Piauí. Bom, se mentalmente, o plágio já havia sido cometido, então, porque não botá-lo no papel?
Ei-lo aqui:
A grande e a pequena política
A discussão sobre qual a melhor atuação do PT do Piauí nas eleições de 2018 deve ser feita com o máximo de serenidade e respeito; afinal, essa não é uma questão de princípios. No entanto, ela é uma decisão política importante, dada a presente conjuntura de polarização política do país.
Por isso, se deve reconhecer que, mais que um problema estadual, a ser decidido no circuito fechado do PT do Piauí, o tema bordeja elementos importantes da tática de atuação do PT, bem como da esquerda em geral, pelos próximos dois anos.
Em condições políticas de estabilidade democrática, o mais comum são situações em que os partidos concertam um acordo entre as partes e fazem alianças.
Contudo, nos dias de hoje, o Brasil vive tempos de anormalidade institucional e democrática, desde que a maioria da Câmara admitiu, em abril, e o Senado consumou, em agosto do ano passado, um golpe parlamentar, votando o impeachment da presidenta Dilma, sem que ficasse provado crime de responsabilidade.
A partir daqueles fatos, a antiga oposição, mais uma parte fisiológica da base de apoio ao governo - hoje governo Temer -, cometeu um ato consciente de deslealdade ao pacto político da constituição de 1988. A lição a ser apreendida dos fatos recentes é que o principal motivo de ter havido relativa estabilidade institucional de 1988 até a pouco, foi que os partidos de oposição fizeram política a partir da premissa de respeito ao mandato de governos legitimamente eleitos. A situação mudou, desde que o PSDB não reconheceu o resultado das eleições presidenciais de 2014 e decidiu fazer uma oposição sem princípios e golpista ao governo Dilma.
Eis a conjuntura anormal em que se encontram as conversas sobre 2018, sendo, portanto, impossível fazer vistas grossas, desconhecendo tudo o que houve e ainda não foi socialmente cicatrizado. Por isso, embora seja uma eleição estadual, com as particularidades inerentes dela, a questão política principal, neste momento, é idêntica.
Todos nós sabemos que o objetivo do golpe contra Dilma visava, de fundo, não apenas substituir a presidenta legitimamente eleita. O golpe foi político e de classe. Foi contra Dilma, contra o PT e contra o povo pobre do Brasil e do Piauí.
Fazendo jus à vocação autoritária universal do neoliberalismo, que começou com Pinochet no Chile, o que está em curso é uma ofensiva gigante de pseudo reformas, através de emendas à constituição, no sentido de retirar direitos conquistados pelos trabalhadores e entregar a soberania nacional sobre o território em terra, água e ar - neste caso, principalmente através da entrega de bandeja das riquezas do Pré-Sal às multinacionais do Petróleo.
O governo Temer chegou com muita sede ao pote, visando destruir em prazo acelerado a obra de nossos governos, buscando restaurar e avançar o neoliberalismo no Brasil com uma inaudita violência. Basta ver o aumento da repressão aos movimentos sociais, a exemplo da prisão nesta semana do companheiro Guilherme Boulos, terça-feira (17/01) em São Paulo.
Estamos no curso de batalhas decisivas. Neste interim, se põe a pergunta: como resistir a tantos ataques? Como é possível passar a atual defensiva para uma nova ofensiva em breve tempo? Como massificar o fora Temer e as diretas-já, articulando essas duas bandeiras com o lançamento da campanha de Lula? Qual o nosso papel de quem tem um governo do PT nas mãos em meio a isso tudo? Como podemos, melhor combinar a luta institucional com a luta social?
Para melhor travar a guerra, antes de tudo, é fundamental melhor reconhecer o território. Sabe-se que, no momento, a correlação de forças internas partidárias nos é adversa. O PT é trucidado diariamente pela mídia brasileira. Para alterar a correlação de forças, só há uma forma de obtermos vitórias na adversidade. O caminho é difícil e acidentado, mas é o único caminho. Os atalhos são ilusórios. A receita é de fato priorizarmos as lutas sociais, unificarmos o campo de oposição, dialogarmos com humildade com a nossa base social, que foi e tem ido às ruas com muita valentia, primeiro na defesa do governo Dilma contra o golpe e agora contra as reformas neoliberais.
A nossa atuação institucional tem que ter um foco de identidade com a voz das ruas. Temos que falar mais para fora - a sociedade - que para dentro. A nossa atuação tem que ser instrumento de agitação para levantar amplos setores da sociedade contra este governo golpista e seu projeto nefasto. Nos termos de Gramsci, uma nova hegemonia contra o neoliberalismo e o governo Temer, uma nova ética política só será constituída se privilegiarmos mais atuação na sociedade civil que na sociedade política (o Estado).
Infelizmente, a história está repleta de exemplos de políticos originalmente de esquerda, ontem e hoje, que acabam superestimando o papel das alianças, como se a política se resumisse a isso. Já é longa a saga - dois séculos - do que ficou conhecido como "cretinismo parlamentar".
Marx, em um texto de balanço da revolução de 1848, dizia que o "... "cretinismo parlamentar" consistia numa espécie de delírio que acometia as suas vítimas, as quais acreditavam que todo o mundo, o seu passado e o seu futuro se governavam por uma maioria de votos ditada por aquela assembleia (...) e tudo o que se passava fora daquelas quatro paredes muito pouco ou nada significavam ao lado dos debates importantes".
Alguém, de boa intenção, pode perguntar assim: em que a participação numa chapa conjunta com Ciro Nogueira (PP), João Madson (PMDB) e outros atrapalharia a nossa prioridade no tocante às mobilizações sociais?
Há uma argumentação de justificação do acordo que não é verdadeira. Se diz - "Ah! Esta aliança é o que vai nos permitir continuar governando o Piauí”. Cabe a pergunta: “que governo faremos?”
Em que pese a boa intenção, estes argumentos revelam distanciamento da realidade. Pior, pode revelar que uma parcela de nosso partido se descolou perigosamente das forças sociais que esti veram a nosso lado nas duras refregas do presente; forças sociais, vale observar, não necessariamente filiadas ao PT, mas que persistem nos tendo como referência - a exemplo de coletivos de juventude, movimentos feministas, intelectuais que voltaram a atuar na luta contra o golpe, sem-terra, sem-teto, sindicalistas, etc. Uma militância que foi de uma valentia extraordinária no difícil ano de 2016 e que continua a postos para as lutas de 2017.
Esses movimentos e pessoas têm uma posição clara contra qualquer tipo de chapa em conjunto com os que perpetraram o golpe contra a democracia brasileira. Elas sentem que é necessário construir uma identidade, um campo oposicionista contra o golpe e seu programa de ataques aos trabalhadores.
A conjuntura é complexa e exige, antes de tudo, mais humildade da parte dos dirigentes do PT. Anos passados, o nosso partido era claramente majoritário na esquerda brasileira. Quando as instâncias do PT decidiam, por assim dizer, todos iam atrás. Hoje, não é mais assim.
Se quisermos manter e ampliar a nossa relação com esses movimentos sociais e setores intelectuais, bem como a nossa militância, temos que ter uma postura de mais diálogo. Falar, mas também saber ouvir.
A militância tem perguntado em uníssono: "o PT não aprendeu com tudo o que enfrentou?".
Sem meias palavras, o nosso militante está querendo dizer o seguinte: concertar acordos nas eleições significa a continuação das ilusões com uma política de conciliação e contemporização. São setores que aparentemente ainda não acordaram para a dura crueza do golpe. Neste caso, a conciliação, que parece um atalho suave, na verdade é o melhor caminho para a irrelevância. Pretendem manter a conciliação com o PMDB e o PP mesmo depois de passado o golpe e da perseguição criminosa contra o Lula. Impressionante.
Algum metido a esperto pode dizer que essas angústias da militância são expressão do senso comum. Chega-se a dizer que este é um "discurso fácil".
Engano de quem assim pensa. Neste caso, o senso comum da militância, de tão óbvio e ululante, se transformou na expressão da mais pura e cristalina verdade.
Parem! Prestem atenção no que aconteceu no Rio de Janeiro. Há muito, nas reuniões do PT/RJ, era dito que o PT ia perder a identidade, diluídos na aliança com o PMDB do Rio de Cabral et caterva. "Bobagem", diziam! "É o preço da governabilidade".
Pois bem, hoje paga-se o preço, perdendo uma parte expressiva da base social e ainda tendo que ver a traição do PMDB fluminense. Chega! Vamos escutar os movimentos, vamos escutar o PT.
Mesmo sendo uma vitória para um governo de Estado, pode se configurar uma clássica vitória de Pirro. Gastamos uma energia imensa numa discussão que nos divide, e, ainda por cima, pode levar a um movimento de questionamento do próprio PT. O erro político sempre cobra o seu preço.
Devemos estar abertos a participar de articulações alternativas nas eleições, com base em propostas. Agora o importante é a consolidação de uma frente de oposição a este governo Golpista que aí está.
Gramsci, que além de grande filósofo e dirigente político foi parlamentar em um tempo convulsionado de ascensão do fascismo, costumava diferenciar a "grande" da "pequena" política. Para ele, a grande política era aquela que se preocupava com os temas universais, principalmente a fundação do Estado e a alteração da relação de forças adversas, ao passo que a pequena política compreende as questões parciais e cotidianas, como ele mesmo dizia "a política de bastidores". Façamos a grande política.

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